2005 - Povo em luta na Bolívia

08/03/2005 - A Bolívia é um paradoxo. Possivelmente é um dos países onde há um maior número de pobres em toda a América Latina. Nas ruas de La Paz, a imensa capital - desordenada e marrom - as cenas da miséria estão por todo o canto. Próximo ao terminal de ônibus concentram-se famílias inteiras a pedir esmolas. Velhas índias, mascando coca com um olhar perdido, já nem sabem como agüentam tanta fome e dor. No campo e nas minas não é diferente. A vida é dura e tudo falta. Por outro lado, nunca se viu um povo tão guerreiro, capaz de gigantescas mobilizações que podem até, derrubar um presidente, como aconteceu com Goni (Sànchez de Louzada) - o homem que falava espanhol com sotaque estadunidense. Uma excrescência.

Mas, se Goni foi embora para as terras do norte, de onde nunca deveria ter saído, em nome da " democracia" assumiu o seu vive: Carlos Mesa. A idéia era de que não se podia quebrar a cadeia democrática. E aquela gente toda que havia derrubado o presidente aceitou o jogo. Agora, de novo, a Bolívia vive um impasse. A mesma temática dos hidrocarburos e a privatização da água leva as gentes para a rua, feito forças da natureza, inquebrantáveis, e o país volta a mergulhar no caos. Mesa entrega um pedido de renúncia e o mesmo diapasão de " vamos salvar a democracia" irrompe pela Bolívia.

Os camponeses, indígenas e trabalhadores bolivianos estão nas ruas desde o final do mês de fevereiro, fazendo bloqueio nas estradas, passeatas gigantes, atos públicos. Querem que os deputados aprovem de uma vez por todas a Lei dos Hidrocarburos, que prevê, entre outros avanços, o início da nacionalização do setor, a cobrança de impostos das empresas petroleiras na ordem dos 50% e garante aos povos indígenas o direito de veto no caso de exploração e exportação dos produtos. Também travam uma luta feroz, os moradores da cidade de El Alto, contra a privatização da água naquele município. A Bolívia ferve em manifestações legítimas de seu povo em luta por soberania e vida digna.

Entretanto, o presidente Carlos Mesa, incapaz de dialogar com o movimento das gentes em luta, aprofunda a crise, entregando o cargo nas mãos do Congresso. Assim, serão os deputados que vão decidir se aceitam ou não a renúncia. Fazendo isso, o presidente boliviano move bem a suas peças do tabuleiro político, age como Pilatos, lavando as mãos no auge do conflito e ainda deixa espaço aberto para continuar governando. A crise está instalada. Os trabalhadores que estão nas ruas insistem em dizer que, em nenhum momento, pediram a saída do presidente. Querem, isso sim, que a lei seja aprovada e a empresa de água saia de El Alto. É tudo. O Comitê Executivo da Central Obrera Boliviana já deixou isso claro em nota oficial. Diz que os trabalhadores não vão se prestar a esse jogo de desestabilização dos setores oligárquicos. O que querem são mudanças nas políticas sociais, econômicas e produtivas que melhorem a vida das pessoas. Também diz que se o presidente não tem capacidade para entender as necessidades do povo, que decidiu dar um basta ao saqueio de suas riquezas naturais, que se vá.

O certo é que a crise continua. Várias cidades em toda a Bolívia estão com as estradas bloqueadas e os trabalhadores e camponeses nas ruas. Enquanto isso, no Congresso, fala-se em pelo menos quatro possibilidades para vencer o impasse. Um delas é a manutenção de Mesa na presidência e a construção de um pacto social, a segunda é de que ele permaneça e nada mude, a terceira é de que ele permaneça mas, imediatamente, sejam chamadas eleições presidenciais e a quarta é aceitar a renúncia e fazendo assumir a presidência o atual presidente do Congresso, Hormando Vaca Díez. Para os trabalhadores, ocupados nas suas manifestações gigantescas, o melhor é que Mesa se vá. Por enquanto, as lideranças sindicais e indígenas acreditam que o melhor é que a saída democrática siga seu curso, assumindo assim, o presidente do Congresso. "Mas que se aprove a lei de hidrocarburos e saia a empresa de água de El Alto", insistem. Nesse sentido, ou se faz a vontade do povo ou o povo segue nas ruas.

Por outro lado, Mesa conseguiu desviar um pouco o rumo das coisas. Hoje, na Bolívia, outro conflito está fervendo. Há movimentações dos partidários do presidente que, inclusive estão fazendo greve de fome, e outro dos que querem que ele suma do mapa político. Possivelmente, Carlos Mesa conseguiu tempo. Resta saber se a população vai cair na armadilha.

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