2005 - Guatemala em luta

15/04/2005 - A Guatemala é um pequeno país de pouco mais de 100 quilômetros quadrados, na América Central, onde vivem cerca de 12 milhões de almas. É um país multiétnico, formado por 21 grupos socioliguísticos do tronco maia, mestiços e negros. Faz fronteira com o México, Honduras, El Salvador e os dois oceanos, Atlântico e Pacífico. Tem 22 estados e 331 municípios. Mas a Guatemala não é um país qualquer. É originariamente Kukulkán - como a chamam os maias. Berço do quetzal (pássaro mágico, símbolo da liberdade), da mística serpente emplumada, Quetzacoált. Terra de um povo mágico e guerreiro que ainda hoje - a despeito de tudo - sobrevive e peleja. Foi lá que há poucas semanas as gentes se levantaram em luta contra o Tratado de Livre Comércio que o governo quer fazer com os Estados Unidos. É lá que um povo resiste, desde há anos, aos abusos do capital.

Como qualquer país da américa baixa, acossado pelas políticas neoliberais, a Guatemala amarga altos índices de pobreza. Os movimentos sociais, principalmente os ligados aos povos autóctones e aos camponeses vêm travando uma batalha desigual para impedir que o modelo de desenvolvimento, adotado desde a independência, siga fazendo suas vítimas. Mas, a força do capital tem hegemonizado as disputas e segue impávida impondo suas políticas a um governo entreguista.

Para se ter uma idéia, esta semana, em pleno processo de luta contra o TLC, que vai aprofundar a condição de colônia do país, o Banco Mundial apresentou ao governo guatemalteco um documento chamado "metas para dinamizar o crescimento". No estudo o banco expõe os aspectos prioritários que "devem ser atendidos para que o país se desenvolva e erradique a pobreza."

A receita apresentada pelo Banco é singela: que o país melhore os investimentos sociais e propicie o desenvolvimento dos setores marginalizados. Para isso propõe um plano até 2010 e insiste com o governo para melhorar a educação, a saúde, o transporte público, as estradas, fazendo, para isso, obras de infra-estrutura. Caso essas sugestões sejam levadas a cabo - com o cordial patrocínio do banco, é claro - em 2015 a Guatemala - garante o BM - chegará a apenas 3,4% de pobreza extrema e 3,1% de pobreza. Hoje, na Guatemala, a taxa de pobreza extrema é de 15,7% e a de pobreza chega a 56,2%, ou seja, praticamente 70% do povo vive na miséria.

No documento o Banco Mundial lembra ao governo que, para que os objetivos sejam alcançados, deve-se fazer crescer o PIB, aumentar o superávit, garantir a transparência dos gastos públicos, diminuir o Estado, fortalecer o comércio, o crédito e a inovação tecnológica. Qualquer semelhança com as propostas seguidas no Brasil pelos nossos governantes não é mera coincidência. Essa parece ser a receita geral do organismo financeiro que, para emprestar dinheiro aos países, acaba intervindo de maneira profunda na política e na economia interna.

Criado em 1944, no contexto do final da segunda guerra, como Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento, a instituição prega pelo mundo afora que seu objetivo é o de reduzir a pobreza num planeta em que quase dois bilhões de pessoas ganham menos do que um dólar ao dia. Com base nessa idéia empresta dinheiro aos países mas o que consegue com sua receita de ajuste - dizem os seus críticos - é provocar ainda mais miséria. Segundo informes do próprio banco, em 2004 foram emprestados mais de 9 bilhões de dólares a 62 países pobres, divididos em 152 programas, para serem devolvidos em 30 e até 40 anos. Sobre os juros, não falam, mas quem pega o dinheiro emprestado sabe muito bem o que significa: dívida externa escorchante, impagável. Os povos, no mais das vezes, não são consultados sobre o assunto e os governantes assinam acordos, enterrando os países em mais pobreza.

O dinheiro que jorra para os para os países pobres e em desenvolvimento vem de uma contribuição que 40 países ricos fazem, a cada quatro anos, à um fundo da Associação Internacional de Desenvolvimento. É uma vantajosa agiotagem internacional que tem conseguido manter ricos os ricos e cada vez mais pobres os pobres, movimentando assim, a roda azeitada do capital.

Agora, nos últimos anos, os bondosos diretores do Banco Mundial, associados ao não menos generoso Fundo Monetário Internacional lançaram uma campanha que chamam de "alívio à dívida dos países mais pobres". Estariam eles dispostos a "pegar leve" para que esses países pudessem investir um pouco na saúde e na educação e também investir pesado, através de projetos, beneficiando o setor privado dos países pobres. Uma política deveras interessante.

Para se ter uma idéia da bondade do Banco Mundial, um dos projetos de ajuda ao setor privado que também está provocando protestos no país onde está sendo levado, é o da construção de uma hidrelétrica no Laos - pequeno país no sudeste asiático - que vai fazer desaparecer grande parcela de terra e desalojar quase sete mil pessoas.

As políticas que o Banco Mundial oferecem aos países em troca de dinheiro não estão desconectadas da macropolítica internacional, muito menos dos interesses dos Estados Unidos e isso não é nenhum episódio de Arquivo X ou qualquer outro que trate de operações conspiratórias. Basta que se dê uma olhada em quem dirige o organismo para saber a quem serve. Quem indica o nome do presidente é o presidente dos EUA e a vaga é sempre para um estadunidense. Conta-se que há um acordo informal entre o Banco Mundial e o FMI de que o primeiro fica com os estadunidenses e o segundo com os europeus. Atualmente o indicado para assumir o posto no Banco Mundial, no próximo mês de junho, é Paul Wolfowitz, considerado o número dois no Pentágono, órgão de defesa estadunidense. Ele é ligado a correntes ultra conservadoras nos Estados Unidos e foi um dos mais ardorosos defensores da invasão ao Iraque.

O documento proposto pelo banco à Guatemala está na mesa do presidente Oscar Berguer, o mesmo que mandou a polícia para cima dos manifestantes anti-TLC e que vem criminalizando os movimentos sociais. Tanto que já está em discussão uma lei chamada de anti-bloqueios, para evitar os famosos "paros" dos trabalhadores. "É necessário para garantir o Estado de Direito", troveja o ministro do governo, Carlos Vielmann. "São ordenamentos legais para o melhor funcionamento do país", diz Sergio Camargo, presidente do legislativo. Mas os trabalhadores urbanos e do campo, os povos indígenas, não se deixam intimidar. Tanto que já avisaram. No primeiro de maio vão realizar manifestações gigantescas. O único estado de direito que eles querem ter é o que os torne dignos. Por isso lutam. Enquanto isso, no Brasil, a Central Única dos Trabalhadores programa um ato-show onde vai gastar mais de três milhões de reais, com a presença do ministro Gilberto Gil, em defesa da reforma sindical, que pretende acabar com o sindicalismo combativo. Triste destino o nosso!

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