Levanta povo indígena! Levanta povo de luta!

A investida contra as comunidades indígenas está recomeçando com bastante violência no Brasil. Recentes acontecimentos como a completa indiferença do governo diante da luta das comunidades atingidas por Belo Monte ou a destruição do Santuário dos Pajés na região de Brasília mostram que a fúria dos grandes empreendimentos pretende passar o rodo sobre qualquer obstáculo que se interponha entre seu desejo de lucro. Essa não é uma atitude nova, mas, agora, parece que está tomando maior furor, como o que se registrou em Mato Grosso, com o assassinato e o sequestro do corpo do cacique Nísio Gomes, da comunidade Guarani.


Desde a invasão de Pindorama que os indígenas vêm sendo dizimados. Como os que habitavam essas terras não estavam organizados em cidades ou civilizações, como foi o caso dos Maias, Astecas e Incas, ficou bem mais fácil atuar na lógica do genocídio. Toda e qualquer comunidade que estivesse no caminho dos “colonizadores”, era imediatamente passada pelo fogo dos arcabuzes, uma vez que não se rendiam à escravidão. Isso foi sistemático até o início do século XX. Os primeiros assassinos de índios foram os bandeirantes, que eram as tropas mercenárias da ocupação, depois, com a chegada dos imigrantes, eles mesmos foram autorizados a darem cabo nos “selvagens” que atrapalhavam a instalação das cidades e do progresso. Foi só no século XX que o Brasil iniciou uma nova política indigenista, comandada pelo Marechal Rondon, que tinha como diretriz, dominar sem matar.


A proposta das incursões comandadas por Rondon era a de estabelecer a paz, integrar o índio à sociedade brasileira e abrir ainda mais as fronteiras.Inegavelmente a obra de Rondon foi um avanço diante do extermínio sistemático, mas ainda assim, a lógica de confinamento em reservas ou a absorção dos indivíduos numa sociedade racista e excludente não se constituiu a melhor solução. Até porque, todo o debate sobre onde deveriam ficar os indígenas não respeitou a ocupação original e muitos foram desterrados de seus lugares de origem, ocasionando a perda de parte de sua cultura e identidade.


Hoje, os indígenas brasileiros seguem lutando pelo direito básico a terra. Grande parte das comunidades não tem seus territórios demarcados e as pessoas vivem praticamente como prisioneiras em campos de concentração, tuteladas pelo governo que pouco lhes dá. Tudo isso tem levado os povos indígenas a longas batalhas para recuperar seu território, sua cultura e sua forma de organizar a vida. No geral, a luta não consegue ultrapassar a busca do prosaico direito de comer, tamanha é a indigência das políticas governamentais diante do tema.Não bastasse todo esse processo de tutelagem/abandono que, na prática, acaba segregando, as comunidades ainda cometem o terrível “crime” de viverem sobre terras muito ricas, o que os torna presas sistemáticas dos grandes projetos nacionais públicos ou privados de “desenvolvimento”. Hoje, no Brasil, são 546 áreas indígenas que congregam mais de 330 mil almas, num total de 170 línguas. A maioria vive enredada em conflitos causados por especuladores, pistoleiros, jagunços. A tenebrosa batalha pela demarcação da Raposa Terra do Sol é um exemplo concreto de como a nação vê a demanda indígena pela terra. Com declarações estúpidas como: “para quê índio precisa de tanta terra?”, os empresários e fazendeiros de rapina vêm lutando para barrar essa vitória. E assim, sucessivamente acontece em todos os espaços onde vivem os indígenas.


No Mato Grosso do Sul não é diferente. Lá vivem atualmente mais de 28 mil índios de 38 etnias, com indícios de mais nove povos ainda não contatados. Segundo Flávio Machado, coordenador regional do Cimi, ali se concentra a segunda maior população indígena do país e a que vive em pior situação, uma vez que 98% dela está confinada em pequenas reservas que representam apenas 0,2 do território estadual. Toda essa gente vive acossada pela especulação imobiliária, pelos fazendeiros, pelos grandes empreendimentos. A morte do cacique Nísio era mais uma dessas mortes anunciadas que acontecem todos os dias no âmbito da luta pela terra. Porque ele era um lutador, assim como toda sua gente. O Mato Grosso do Sul é um estado que está na linha do desejo do agronegócio e tem as terras mais produtivas do país. Para aquele estado estão planejadas 30 novas usinas de açúcar e álcool, daí a cobiça dos fazendeiros que querem apostar na monocultura sem risco.


Os conflitos de terra na região remontam ao ano de 1983, quando foi morto o cacique Marçal de Souza, no processo de retorno para as terras originais que havia sido iniciado pelos indígenas. Desde aí, o estado do Mato Grosso do Sul passou a ser uma zona de massacre sistemático. Há dois anos foram assassinados dois professores que viviam em área indígena, assim como há dois meses outra morte foi registrada na mesma área, isso sem contar as ameaças de todos os dias. Tudo isso é feito por um grupo paramilitar que, segundo o Cimi, já foi reconhecido até pelo Ministério Público, uma vez que os ataques são bastante semelhantes, assim como as balas encontradas na região do crime. Para se ter uma ideia do processo de violência no Mato Grosso do Sul, em oito anos foram assassinados 452 índios no Brasil inteiro, sendo que 250 foram no MS. Agora, numa demonstração de completo cinismo, os ruralistas da região exigem reunião com o Ministro da Justiça, porque não estão gostando de estarem sendo considerados suspeitos. Dizem querer justiça, o que no caso deles significa a desocupação das terras pelos indígenas.


A realidade dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul, assim como das demais regiões do Brasil, vive escondida sob o tapete da indiferença e da impunidade. Os meios de comunicação só falam de índio no dia 19 de abril ou quando ocorre uma desgraça. Ainda assim, as reportagens totalmente descontextualizadas não ajudam a que a gente possa fazer uma reflexão crítica sobre a situação real das comunidades. No geral permanece o preconceito criado pelos brancos de que os indígenas são preguiçosos e atrapalham o progresso da nação.


A morte do cacique Nísio Gomes não é uma tragédia pessoal. Ela representa uma tragédia coletiva vivida sistematicamente pelos povos originários dessas terras desde a invasão em 1500. Compreender isso e atuar em consequência é tarefa urgente dos sindicalistas e militantes sociais de todas as áreas. Já basta de impunidade e de tutela. É hora de as nações indígenas terem seus direitos garantidos e desde aí, avançar para a soberania. Nossa tarefa é juntar forças e caminhar junto com o povo indígena nessa grande batalha que haverá de ter um fim.

Massacre na comunidade Guarani Kaiowá


Renato Santana
De Brasília

No início da manhã de sexta-feira (18), por volta das 6h30, a comunidade Kaiowá Guarani do acampamento Tekoha Guaiviry, município de Amambaí, Mato Grosso do Sul, sofreu ataque de pistoleiros, cerca de 40, fortemente armados.

O massacre teve como alvo o cacique Nísio Gomes, 59 anos, (centro da foto) executado com tiros de calibre 12. Depois de morto, o corpo do indígena foi levado pelos pistoleiros – prática vista em outros massacres cometidos contra os Kaiowá Guarani no MS.

As informações são preliminares e transmitidas por integrantes da comunidade – em estado de choque. Devido ao nervosismo, não se sabe se além de Nísio outros indígenas foram mortos. Os relatos dão conta de que os pistoleiros sequestraram mais dois jovens e uma criança; por outro lado, apontam também para o assassinato de uma mulher e uma criança.

“Estavam todos de máscaras, com jaquetas escuras. Chegaram ao acampamento e pediram para todos irem para o chão. Portavam armas calibre 12” , disse um indígena da comunidade que presenciou o ataque e terá sua identidade preservada por motivos de segurança.

Conforme relato do indígena, o cacique foi executado com tiros na cabeça, no peito, nos braços e nas pernas. “Chegaram para matar nosso cacique”, afirmou. O filho de Nísio tentou impedir o assassinato do pai, segundo o indígena, e se atirou sobre um dos pistoleiros. Bateram no rapaz, mas ele não desistiu. Só o pararam com um tiro de borracha no peito.

Na frente do filho, executaram o pai. Cerca de dez indígenas permaneceram no acampamento. O restante fugiu para o mato e só se sabe de um rapaz ferido pelos tiros de borracha – disparados contra quem resistiu e contra quem estava atirado ao chão por ordem dos pistoleiros. Este não é o primeiro ataque sofrido pela comunidade, composta por cerca de 60 Kaiowá Guarani.

Decisão é de permanecer

Desde o dia 1º deste mês os indígenas ocupam um pedaço de terra entre as fazendas Chimarrão, Querência Nativa e Ouro Verde – instaladas em Território Indígena de ocupação tradicional dos Kaiowá.

A ação dos pistoleiros foi respaldada por cerca de uma dezena de caminhonetes – marcas Hilux e S-10 nas cores preta, vermelha e verde. Na caçamba de uma delas o corpo do cacique Nísio foi levado, bem como os outros sequestrados, estejam mortos ou vivos.

“O povo continua no acampamento, nós vamos morrer tudo aqui mesmo. Não vamos sair do nosso tekoha”, afirmou o indígena. Ele disse ainda que a comunidade deseja enterrar o cacique na terra pela qual a liderança lutou a vida inteira. “Ele está morto. Não é possível que tenha sobrevivido com tiros na cabeça e por todo o corpo”, lamentou.

A comunidade vivia na beira de uma Rodovia Estadual antes da ocupação do pedaço de terra no tekoha Kaiowá. O acampamento atacado fica na estrada entre os municípios de Amambaí e Ponta Porã, perto da fronteira entre Brasil e Paraguai.