Indígenas reivindicam Casa de Passagem

Todos os anos, os povos indígenas, de vários lugares da região sul, caminham em direção ao litoral nos meses de verão. Sabem que nesses meses a vida pulsa, os turistas chegam aos borbotões e isso significa a possibilidade de boas vendas para sua arte ancestral. É uma maneira que encontram de garantir a comida e o bem estar da família nos meses seguintes. Porque a maioria das aldeias padece de falta de estrutura e as terras são pouco férteis. A arte indígena ainda é um recurso de sobreviência. Mas, quando chegam no litoral as famílias não encontram espaços para dormir ou comer, ficando muitas vezes ao léu, na rua. Em Florianópolis a luta dos indígenas e do movimento social garantiu há três anos um espaço num terminal desativado do Saco dos Limões e a promessa da construção de uma casa de passagem. Até agora nada da casa e as condições do terminal são cada vez mais difíceis. Por isso, segue a luta. É importante que as pessoas saibam que os indígenas, quando se movem, caminham com toda a família, com seus velhos, suas crianças e seus animais. Daí a necessidade de um lugar digno para que eles possam atravessas esses meses que são fundamentais para a existência no resto do ano. No programa Campo de Peixe, da Rádio Campeche a entrevista com Alzemiro Matias (Kaingang) e Joana de Freitas (Kaiapó).


Povos indígenas do Brasil reagem aos ataques do novo governo


Os ataques do novo governo aos povos indígenas, e a mudança administrativa que joga para a pasta da Agricultura a responsabilidade sobre a demarcação das terras originárias já estão provocando reação imediata das comunidades organizadas e autônomas que sobrevivem e lutam no território nacional.

Passados mais de 500 anos da invasão e uma sistemática política de extermínio ainda resistem 305 etnias que ocupam pouco mais de 12% do território brasileiro. A maior parte, quase 90%, fica na Amazônia, um espaço de exuberante floresta no qual as comunidades ainda podem viver segundo sua cultura e, de quebra, garantir a preservação de um bioma que é fundamental não apenas para o Brasil, mas para todo o planeta.  Basta uma olhada nos aplicativos “Google Maps e Google Earth” e imediatamente pode-se perceber que onde tem comunidade indígena tem proteção e a floresta vibra. Onde tem usina ou fazenda, a vida míngua.

A Amazônia, por suas características climáticas e ambientais sempre foi um espaço de difícil ocupação, tanto que até hoje é a região com menor densidade demográfica. Mas, a riqueza de sua diversidade, os minerais e a voracidade da busca por energia (com a construção das usinas hidrelétricas) tem feito com que os olhos se movam cobiçosos para lá. E assim, o latifúndio, que já ocupa com o agro negócio mais de 60% do território, quer abocanhar esses 12% que estão sob a posse dos povos originários.  A intenção do governo, atendendo ao desejo dos fazendeiros, é tirar os indígenas das terras “tornando-os cidadãos”, o que, na prática significa eliminar não apenas seu modo de ser no mundo, como a sua desintegração como ser humano que tem uma cultura própria, visceralmente diferenciada da cultura ocidental judaico/cristã. Seguindo os desejos do capital ultraliberal, os indígenas precisam ser incorporados como força de trabalho nas cidades e nos campos, sem direito a sua própria terra. Mais um episódio de acumulação primitiva  que só servirá para destruir o modo de vida dos povos originários.

Nessa semana, depois de uma declaração do presidente de que os indígenas que vivem nas terras originárias são como animais em zoológicos, uma carta aberta dos povos Aruak Baniwa e Apurinã deixa bem claro sua posição com relação a essa proposta de torna-los “cidadãos”:

Não estamos nos zoológicos, senhor Presidente, estamos nas nossas terras, nossas casas, como senhor e como quaisquer sociedades humanas que estão nas suas casas, cidades, bairros. Somos pessoas, seres humanos, temos sangue como você, nascemos, crescemos, procriamos e depois morremos na nossa terra sagrada, como qualquer ser humano vivente sobre esta terra. Nossas terras, já comprovado técnica e cientificamente, são garantias de proteção ambiental, sendo preservadas e manejadas pelos povos indígenas, promovendo constantes chuvas com as quais as plantações e agronegócios da região do sul e sudeste são beneficiados e sabemos disso.

Eles também rechaçam firmemente a ideia de “integração” alardeada pelo presidente: “Já fomos dizimados, tutelados e vítimas de política integracionista de governos e Estado Nacional Brasileiro, por isso, vimos em público afirmar que não aceitamos mais política de integração, política de tutela e não queremos ser dizimados por meios de novas ações de governo e do Estado Nacional Brasileiro. Esse país chamado Brasil nos deve valor impagável senhor presidente, por tudo aquilo que já foi feito contra e com os nossos povos. As terras indígenas têm um papel muito importante para manutenção da riqueza da biodiversidade, purificação do ar, do equilíbrio ambiental e da própria sobrevivência da população brasileira e do mundo”.

Também nessa semana a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB – entrou com uma representação na Procuradoria Geral da República solicitando o controle judicial da Medida Provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro que passa para a pasta da Agricultura as atribuições sobre identificação, delimitação e registro de terra tradicionalmente ocupada pelos indígenas. Segundo a proposição da APIB essa medida afronta o Artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho bem como uma série de outras leis nacionais.

A representação também solicita a instauração de um Inquérito Civil com o objetivo de investigar  e monitorar os atos e processos administrativos de demarcação de terras indígenas que irão tramitar no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, bem como apurar eventual responsabilidade administrativa atentatória a moralidade administrativa, a democracia e ofensa de direitos culturais dos povos indígenas, baseada no Artigo.129, inciso V, da Constituição Federal de 1988.

Exigem ainda que sejam tomadas medidas urgentes a fim de evitar risco de danos irreparáveis aos povos indígenas pela suspensão e/ou interferência política nos procedimentos demarcatórios, atingidos pelo eventual comportamento da Ministra e seus subordinados.

Não bastassem as ações no campo da comunicação e do judiciário as entidades autônomas de organização indígena já estão preparando ações públicas contra o ataque a sua cultura e as suas terras. Segundo as comunidades, os importantes passos dados após a Constituição de 1988 não podem retroceder. E o Brasil não pode voltar a ter uma prática colonial, tal como a que marcou o etnocídio e o memoricídio pós invasão.  Haverá luta.

Ministério da Agricultura regulará demarcação de terras indígenas

Foto: Rubens Lopes


Uma das primeiras medidas provisórias do novo governo (MP 870) foi passar a competência de regularização das terras Indígenas e Quilombolas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento. A ministra da pasta é Tereza Cristina,  engenheira agrônoma que estava deputada federal pelo DEM/MS e era líder da Bancada Ruralista no Congresso. Também foi defensora da lei que flexibiliza o uso de agrotóxicos, o que significa mais venenos na mesa dos brasileiros.

Em tese, essa MP significa um duro golpe para as comunidades tradicionais, pois desde há tempos que o agronegócio quer se apropriar das terras que estão nas mãos dos povos originários e dos remanescentes dos quilombos. São terras ricas em fertilidade, em fármacos e em minerais. Agora, na mão de uma representante dos fazendeiros e agroexportadores é certo que o ataque será brutal.

Para os indígenas e quilombolas nada mais resta do que seguir a velha luta, travada desde os tempos da conquista. Afinal, em nenhum governo as coisas foram muito diferentes. Nos anos de governo do PT, por exemplo, houve pouca demarcação e muita omissão nos casos dos assassinatos sistemáticos. E, ainda que não houvesse ataques às terras já demarcadas, faltou ousadia ao antigo governo para uma ação mais afirmativa junto aos indígenas.

Durante vários anos a bancada ruralista tentou tirar a decisão sobre demarcação da mão do presidente da República, buscando passar para o Congresso, onde tinha maioria, mas não obteve sucesso. Agora, com a MP que dá ao Ministério da Agricultura esse poder, a velha proposta dos ruralistas fica mais viável, já que quem comanda o ministério é uma representante desses interesses.

Os povos originários brasileiros, em torno de 305 etnias, falando 274 línguas, com uma população de quase um milhão de pessoas, ocupam apenas 12% do território. Mesmo assim não conseguem viver suas vidas em paz. Os ruralistas querem rever várias demarcações e estão dispostos a “incluir” os povos que ainda têm suas próprias terras, no sistema de produção capitalista transformando-os em “trabalhadores livres”, o que na prática significa a extinção das comunidades e a transformação dos indígenas em indigentes nas cidades.

Na linguagem ideológica eles usam a expressão "progresso da nação", mas na verdade a apropriação das terras indígenas servirá apenas para engordar poucas contas bancárias.

A luta seguirá sendo dura. Mas, como diz Ailton Krenak, os povos estão aí, resistindo, há mais de 500 anos. E não vão esmorecer.