2007 - Sopram fortes ventos em Abya Yala

12/01/2007

Por elaine tavares - jornalista

Os primeiros dias de janeiro reservaram algumas posses de novas e velhas figuras no cenário político. A primeira delas, no alvorecer do mês, foi a de Lula, no Brasil. Nada daquela pompa popular do primeiro mandato que levou quase 100 mil pessoas à Brasília. Num dia chuvoso, pouco mais de 10 mil apoiadores compareceram a festa. Apatia na comemoração e no protesto. O presidente brasileiro não disse nenhuma novidade no seu discurso de posse. Reiterou que vai continuar com sua política econômica e anunciou um pacote para acelerar o “espetáculo do crescimento”. Não anunciou novos ministros, não falou dos temas estruturais e polêmicos como a terra ou a distribuição de riqueza. Ficou no feijão com arroz e só vociferou quando chamou de terroristas os que atearam fogo num ônibus no Rio de Janeiro, poucos dias antes. Adiantou que o Estado iria tratar com mão firme o crime. E as causas estruturais dos crimes? Com que mão serão tratadas? Não falou!

Também no mês de janeiro tomaram posse o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega e o da Venezuela, Hugo Chávez. Ortega, que já liderou a revolução sandinista nos anos 70, se aliou com os velhos inimigos da direita para vencer as eleições e é olhado com bastante desconfiança pela esquerda mundial. Ainda assim, no seu discurso de posse, ao qual estavam presentes Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, falou de levar a Nicarágua no rumo do socialismo e comunicou a sua adesão à ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas e o Caribe), projeto liderado pelo presidente venezuelano. O certo é que Daniel não deverá promover mudanças muito radicais como nacionalizações, por exemplo. Tanto que seus aliados de direita declaram que não vêem problema algum a aproximação com Chávez, desde que os seus interesses sejam mantidos. Vai ser um mandato interessante e precisa ser acompanhado de perto.

Hugo Chávez, que tomou posse no mesmo dia que Ortega, oito de janeiro, insiste na idéia de radicalizar o processo de construção do que chama de “socialismo do século XXI”, que é um sistema de governo com cara originária, mesclado de lutas sociais, de democracia participativa, anti-imperialista e nacionalista. Para isso, anunciou que vai nacionalizar ainda este ano três setores estratégicos do país: o gás, a eletricidade e as telecomunicações. Com isso, já causou um tremendo furor nas hostes estadunidenses que já preparam o contra-ataque via mídia em todo o planeta, atacando o presidente com sua velha cantilena de que ele é um ditador, louco, etc... Ninguém estranhe se daqui a pouco a rede Globo e suas irmãs não começarem a anunciar que Chávez tem armas atômicas escondidas em Miraflores.

A sanha estadunidense não é de graça. A CANTV, espécie de monopólio comunicativo na Venezuela, tem como especial sócio uma empresa dos Estados Unidos, a Verizon, que controla quase 30% das ações. Já a empresa Eletricidad de Caracas é controlada pela AES Corporation, uma empresa estadunidense com sede na Virgínia. Outro baque sofrido pela direita venezuelana é a decisão de Chávez de não renovar a concessão da empresa Rádio Caracas Television (RCTV) por conta de que a mesma vem desrespeitando a lei. Amparado na lei Resorte (Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, que pode ser vista aqui na nossa página no enlace “documentos”), o presidente venezuelano diz que uma empresa que tem a concessão pública e não cumpre com sua função pública não pode continuar recebendo concessão do Estado. Esta decisão tem gerado críticas em todos os cantos, principalmente de jornalistas e donos de empresas de comunicação. O fato é que a lei sobre concessões da Venezuela é semelhante à brasileira e numa primeira instância não fere qualquer preceito democrático. Seria mais ou menos como o governo brasileiro decidir não renovar a concessão da Globo por ela não cumprir com o que diz a lei. Na verdade não se pode falar em ataque a liberdade de expressão, visto que na Venezuela é incrível o que acontece nas rádios, jornais e televisões. A crítica ao governo Chávez é feroz e sistemática, muitas vezes tecida de forma violenta e desrespeitosa ao chefe da nação, sem que nenhuma medida de represália seja tomada. O que o governo tem feito é incrementar ainda mais a comunicação estatal e apoiar a comunicação produzida nos bairros pelos agentes populares.

As medidas anunciadas por Chávez imediatamente repercutiram no mercado financeiro provocando a queda da bolsa de Caracas, alardeada por toda a mídia estadunidense. O presidente reagiu de maneira tranqüila: “A bolsa de Caracas pode cair, o que não pode cair é a Venezuela”. No seu discurso de posse insistiu que a população venezuelana quer a mudança e deu seu voto apostando nisso. Segundo ele, na lógica do “mandar obedecendo”, não há como não atender a vontade da maioria da nação. "Juro por minha pátria que não darei descanso a meu braço, nem repouso
a minha alma, que entregarei meus dias e minhas noites e minha vida inteira à construção do socialismo venezuelano, à construção de um novo sistema político, um novo sistema social, novo sistema econômico. Pátria. Socialismo ou morte".

Para os jornalistas da CNN em espanhol, braço armado da ideologia do império, este foi um discurso raivoso e desnecessário. Mas, a mesma expressão não é usada quando o governante estadunidense manda um novo projeto para o Congresso do país, visando enviar mais 20 mil soldados ao Iraque, país invadido na mais espúria lógica do “Petróleo para nós, ou morte”. Segundo dados da ONU mais de 100 mil pessoas já morreram nesta ocupação, grande parte civis. Mesmo assim, não se ouve nenhum brado exigindo que George Bush seja julgado como criminoso de guerra.

Enquanto isso, outras propostas de Chávez, como a aglutinação dos vários pequenos partidos que o apóiam num partido unificado e a idéia de mudança na constituição para que o presidente possa ser reeleito tantas vezes quanto o povo queira, estão sendo enxovalhadas como medidas anti-democráticas e autoritárias. “É a cubanização”, alardeiam os de sempre, e como se fosse uma coisa ruim. Quem garante? Assim, o ano de 2007 promete grandes batalhas no campo da política.

No Equador, o novo presidente Rafael Correa sofre pressão por parte da direita, que tenta barrar a eleição de uma Assembléia Nacional Constituinte, e na Bolívia também Evo Morales se vê acossado pelos estados que buscam separar-se do poder central, visivelmente financiados pela inteligência estadunidense. A Alba segue caminhando e os movimentos autóctones continuam sua jornada rumo a recuperação de suas culturas. Muita água vai rolar nos moinhos da vida popular. Estaremos atentos!



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