O drama das populações indígenas na Guatemala


19 de julho de 2020

Há poucos dias um caso brutal de tortura e assassinato de um sacerdote maya na Guatemala levantou o debate sobre a “selvageria” da população daquele pequeno país da América Central. Moradores de uma comunidade sequestraram o sacerdote, torturaram e depois o queimaram vivo, acusando-o de ter causado uma doença em um familiar. A antropóloga e professora Irma Velasquez Nimatuj, que é da etnia maya k´ichee´, mostra todo o contexto histórico de violência, opressão e genocídio contra as populações indígenas, desde a invasão até os dias atuais. Ela observa que as políticas de extermínio, a presença das igrejas católica e neopentecostais e o completo abandono do Estado são as raízes quase nunca expostas de casos como esse. Antes então de chamar de bárbaros aos moradores da comunidade, cumpre entender a realidade da Guatemala e a situação de violência sistemática a que estão submetidas populações indígenas e empobrecidas. Uma conversa larga, mas necessária.

Entrevista: Elaine Tavares

Guatemala: un asesinato espantoso en una sociedad enferma


16 de julho de 2020

Texto de Rafael Cuevas Molina

Guatemala es un país desgarrado, una sociedad castigada sin clemencia, un cuerpo que ha sido vapuleado casi hasta el exterminio a través de toda su historia. Un lugar en el que se han experimentado los métodos más crueles para reprimir los reclamos justos de la población.

En Guatemala ha sucedido algo espantoso: don Domingo Choc Che, guía espiritual maya, ha sido asesinado por una turba enardecida. Le prendieron fuego ante una multitud que celebró con gritos su transformación en pira humana. Le vieron correr, ardiendo, unos con las manos en los bolsillos, como si de observar un espectáculo deportivo se tratara, otros alertando que el linchado no alcanzara un grifo que le permitiera apagarse.

¿Cómo ha llegado este país a ese nivel de salvajismo, un país heredero de una de las más ricas y refinadas culturas precolombinas; lleno de hermosas expresiones de cultura popular; con un legado literario que se remonta hasta antes de la llegada de las huestes europeas? 

Guatemala es un país desgarrado, una sociedad castigada sin clemencia, un cuerpo que ha sido vapuleado casi hasta el exterminio a través de toda su historia. Un lugar en el que se han experimentado los métodos más crueles para reprimir los reclamos justos de la población. Y todo esto, sobre una estructura fracturada por una herencia colonial terriblemente racista en el que una minoría desprecia, e incluso niega su humanidad, al resto. Una minoría que no vacila en utilizar la violencia indiscriminadamente.

En Guatemala pudimos enrumbarnos en otra dirección, pero la posibilidad nos fue cercenada de cuajo. Entre 1944 y 1954 se experimentó una apertura democrática que no fue tolerada por la oligarquía local, obtusa y atrasada, y los Estados Unidos de América. Dieron un cruento golpe de Estado que instauró una larga historia de gobiernos militares represivos que tuvieron como norte fundamental reprimir la protesta.

El culmen de este autoritarismo militar fue el genocidio perpetrado a inicios de la década de 1980. Esa fue la expresión más acabada de más de 30 años de salvaje represión. Salvaje porque quien conozca en detalle los crímenes ahí cometidos podría no dar crédito a tantos horrores. 

La población guatemalteca es muy religiosa. El cristianismo utilizado como arma de dominación ideológica por los conquistadores caló profundamente. En los años 70 y 80, la Teología de a Liberación dio un giro a la secular interpretación de tal religión, que hasta entonces orientaba a la sumisión, y se constituyó en poderosa herramienta contestación y permitió la organización popular.

La respuesta fue la promoción de un cristianismo de nuevo cuño, el de las iglesias protestantes pentecostales y neopentecostales, que fue erigido como contraofensiva ideológica. El principal gestor de esta estrategia contrainsurgente de largo aliento fue, nuevamente, los Estados Unidos de América. El primer documento que da cuenta de ello es el Informe Rockefeller, en fecha tan temprana como 1966.

Guatemala ha sido un país en el que se han experimentado estrategias de dominación que luego, con sus variantes, han sido aplicadas en el resto del continente. El golpe de Estado de 1954 lo fue. Lo fue también la guerra contrainsurgente que abarcó toda la segunda mitad del siglo XX. Y lo fue el experimento de inoculación social de iglesias del tipo antes descrito. Susanne Jonas habla de Guatemala como “plan piloto” para el continente.

El resultado: una sociedad fracturada, con sus lazos sociales destramados, fanatizada por núcleos de irracionalidad religiosa, que ve “brujería” y “cosas del diablo” en las expresiones de sabiduría ancestral como las que practicaba don Domingo Choc Che.

El cóctel es explosivo: pobreza extrema, racismo, fanatismo religioso, violencia institucionalizada, familias divididas por la masiva migración hacia el norte, cruenta explotación laboral. Don Domingo Choc es una víctima de un sistema inoperante, corrupto y cínico que se expresó a través de una comunidad que también es, a su vez, víctima.

Solo un cambio radical que barra con tanta podredumbre, y que no se avizora en el horizonte, puede poner fin al horror que prevalece.

Aldevan Baniwa, a vítima da Covid-19 que ensinava pesquisadores a ver


5 de maio de 2020

Texto de Maria Fernanda Ribeiro

Agente de saúde morreu no dia 18, em Manaus, em luta contra a doença e contra a desigualdade; um dos autores do livro “Brilhos na Floresta”, ele ensinou cientistas estrangeiros a observar cogumelos e fungos na escuridão da mata

O indígena Aldevan Baniwa caminhava pela mata na companhia de um professor japonês que nada entendia da língua portuguesa ou tampouco nutria conhecimento sobre aquele espaço de floresta, nos arredores de Manaus. O cientista do outro lado do mundo estava na companhia do guia certo e sabia que com ele a jornada não seria em vão: o aprendizado viria. A pesquisadora Noemia Kazue Ishikawa, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), era o laço que unia os dois. E a tradutora necessária para que os diálogos fluíssem. Ou ao menos achava que era. Ela, que não estava num bom dia, precisou descansar após a caminhada e dormiu na rede por algumas horas.

Ao despertar, perguntou a si mesma como é que os dois amigos se viravam sem a sua presença e foi quando percebeu que ambos encontraram na língua inglesa uma maneira para se comunicarem e, juntos, preparavam um almoço que unia a alta tecnologia de arroz pré-cozido e esterilizado, uma contribuição do professor Keisuke Tokimoto, e peixe jaraqui na brasa, preparado pelo Aldevan. Uma verdadeira junção de saberes tradicionais e científicos em um almoço só.

Aldevan tinha esse dom, de unir a ciência aos saberes tradicionais onde quer que estivesse, fosse em português, inglês ou nheengatu. Era sempre um encontro de saberes, uma parceria mágica. Mas, no dia 18 de abril, o indígena de 46 anos nascido na comunidade Tapuruquara, em Santa Isabel do Rio Negro, foi mais uma vítima da Covid-19 no país e morreu, mas não sem antes denunciar em suas redes sociais o descaso com os profissionais que atuavam na linha de frente no combate à pandemia em meio ao caos no Amazonas.

ELE PASSOU MAL DUAS SEMANAS SEM SER TESTADO

Ele também era um deles. Funcionário da Fundação Vigilância em Saúde (FVS), o Baniwa — uma etnia com cerca de 15 mil indivíduos na fronteira com Colômbia e Venezuela — divulgou um texto sobre a falta de testes. Ele passava mal havia duas semanas e não conseguiu acesso ao recurso.

Para quem o conhecia, era óbvio que ele não ficaria calado. Aldevan era, acima de tudo, um ser humano combativo, que lutava contra as injustiças e as desigualdades, em defesa do seu povo e da sociedade. “Ele era um crítico do sistema”, diz o irmão André Brazão. Segundo ele, Aldevan era aquele que brigava pelo descaso da categoria e sempre estava à frente das reivindicações. “E deixou um legado de que é possível a gente mudar o mundo”.

O resultado positivo para a Covid-19 saiu no sábado, dia 25 de abril, uma semana após a sua morte. Como morava na cidade, Aldevan não fará parte das estatísticas de óbitos entre indígenas computados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde responsável pelos dados, mas que considera em sua base apenas os que vivem nas comunidades. Até o momento, de acordo com levantamento do De Olho nos Ruralistas, já são 15 óbitos. Para a Sesai, são cinco.

Aldevan foi o terceiro indígena a morrer por coronavírus na cidade. No mesmo dia em que faleceu, outros três agentes de endemia tiveram o mesmo destino. Ele foi enterrado no cemitério Tarumã, em Manaus, quando foram feitos mais 130 sepultamentos, uma média três vezes maior que antes da pandemia.

‘VOCÊ NUNCA VIU ANTES PORQUE NÃO APAGAVA A LANTERNA’

Poucos meses antes de sua morte, nascia o Aldevan escritor, que revelou ao mundo a existência dos cogumelos bioluminescentes e que marcou a entrada dele na literatura, não somente na indígena, mas também na científica. “Brilhos na Floresta” é uma novela gráfica que mostra como se encontram os cogumelos e fungos luminosos na escuridão da mata.

Em uma das passagens mais emblemáticas, narrada pelo o antropólogo José Bessa, ele guia pela noite os pesquisadores ávidos para verem de perto aquilo que o indígena há muito já conhecia. Em determinado momento Aldevan pede que todos apaguem suas lanternas.

E se faz a mágica. Os cogumelos coloridos e luminosos surgem, num espetáculo jamais imaginado de cores e luzes. O biólogo Takehide Ikeda faz a pergunta que transformaria a resposta de Aldevan numa espécie de manual prático para a vida.

— Já andei muito por florestas. Por que será que nunca vi isso antes?

— Porque você nunca apagou a lanterna. Os cientistas deviam saber que nem tudo que a gente procura, pode ser encontrado iluminando. Às vezes, para ver, é preciso desiluminar.

Naquele momento se apresentava a sabedoria milenar de quem nasceu na floresta, filho de um pai Baniwa e mãe Tukano, povo com uma população de cerca de 11 mil pessoas, na mesma região dos Baniwa.

“Ele matou a charada com essa frase, de que é preciso apagar a luz para enxergar certas coisas”, avalia Bessa. “Aldevan apresenta a possibilidade de trazer esse conhecimento indígena em diálogo com a ciência. Ele tinha acabado de nascer como escritor e é como se tivesse morrido logo após o parto”.

“Às vezes, para ver, é preciso desiluminar”

O livro “Brilhos da Floresta” foi escrito em quatro línguas: nheengatu, português, japonês e inglês, e se trata de uma contribuição para o conhecimento da biodiversidade na Amazônia. Aldevan e a ex-mulher Ana Carla Bruno são dois dos autores, junto com os pesquisadores Noemia e Takehide, além da ilustradora Hadna Abreu. A obra foi lançada no fim do ano passado pela Editora Valer, em parceria com a editora Inpa.

A noite de autógrafos aconteceu na tradicional Banca do Largo, em Manaus, do icônico Joaquim Melo, que reúne em um pequeno espaço os livros mais interessantes — e raros — de toda a Amazônia. Aldevan estava feliz. E Joaquim não escondia o orgulho de lançar ali aquela obra. Ele sabe reconhecer grandes autores.

OBSERVADOR, PERSPICAZ, SILENCIOSO, SARCÁSTICO, ASTUTO

Para Noemia, parecia impossível que o homem que cuidava de todos pelas incursões pela floresta pudesse ser abatido. Ele, um agente de endemias experiente, era quem deixava as expedições com jeitão de que tudo daria certo. Antes mesmo de entrar na Fundação Vigilância em Saúde já tinha aprendido a ler lâminas com resultados para malária quando trabalhou de “faz-tudo” com os indígenas Waimiri-Atroari, isso lá pelos idos da década de 90.

Entrou na fundação após passar no concurso para agente de endemias. O trabalho era na rua, no trabalho de combate à dengue. Mas logo perceberam que Aldevan era habilidoso no computador e ele passou, então, a cuidar dos programas de mapeamento. Morreu como agente de combate à malária nas comunidades rurais, quase dez anos depois.

Se tinha medo? “Preocupação é com meus velhinhos”.

Observador e perspicaz. Silencioso, mas sarcástico. Provocativo e astuto. O bravo-manso. Era o jeito “aldevaniano” de ser, como nominou Ana Carla, com quem teve duas filhas. E nesse perfil cai bem lembrar que ele reinava absoluto também quando o assunto era um bom tambaqui na brasa. Ou um jaraqui, é claro.

O Baniwa era um poliglota. Ou quase. O inglês ele aprendeu quando acompanhou Ana Carla aos Estados Unidos. Chegou sem nem saber falar “goodbye” ou “good morning”, mas quando o casal voltou ao Brasil, cinco anos depois, desempregado, com as duas filhas que nasceram lá, ao menos a língua já fazia parte do seu dia-a-dia.

O nheengatu, que um dia foi a língua indígena mais falada no Brasil, é a herança da infância que ele e o irmão André preservaram mesmo após terem se mudado com os pais ainda crianças para Manaus, onde desenvolveram a língua portuguesa. “Espanhol ele também falava um pouco”, conta o irmão.

Ele e Ana Carla estavam separados há quatro anos, mas a ligação com as “meninas” e os sonhos que mantinham para elas, como viagens ao Rio Negro e uma volta aos Estados Unidos, os mantiveram conectados até o último dia de vida. Os amigos e Ana Carla revelavam preocupação com aquela febre que não passava e o mal-estar contínuo.

Aldevan respondia que estava tudo bem. Os mais próximos desconfiam que talvez ele soubesse que a sua vida já era uma dança mortal.

No último fim de semana antes de sua morte ainda colheu muitos cogumelos.

Há quem diga que a morte de Aldevan é uma luz que se apaga. Outros, que é só desligar as lanternas para perceber que ele ainda está lá. Ou aqui. Ou aí.

Reportagem publicada originalmente em "De olho nos ruralistas"

Governo brasileiro quer entregar terras indígenas à exploração


7 de fevereiro de 2020

O governo do Brasil encaminhou um projeto ao Congresso Nacional buscando liberar as áreas indígenas para mineração, geração de energia, agricultura e pecuária. Essa é uma promessa de campanha do atual presidente que finalmente foi colocada em andamento. Durante o primeiro ano de mandato, o presidente foi pródigo em declarações bombásticas contra os povos indígenas. Para ele, os indígenas ainda não são humanos e só o serão quando puderem produzir mercadorias. Daí esse projeto que visa tornar “produtivas” as terras que hoje conformam apenas 12% do território nacional, garantidos com muita luta pelas comunidades.

A decisão do governo vem no sentido de fortalecer o grupo de latifundiários, mineradores e empresas estrangeiras que desde há muito estão de olho nas riquezas das terras que os povos originários têm conseguido manter vivas e cheias de biodiversidade. Esse grupo de latifundiários, que representa apenas 1% da população brasileira, detém atualmente - conforme o Atlas do Agronegócio - mais de 51% das terras no Brasil. Não satisfeitos com isso eles querem as terras indígenas onde pretendem ampliar a fronteira agrícola e extrair petróleo, gás e outros minérios importantes.

O projeto encaminhado à Câmara dos Deputados autoriza a exploração e ainda define que serão permitidos estudos técnicos sobre as regiões pretendidas, sem que seja necessária a presença de estudiosos na área. Tudo poderá ser feito à distância com “dados e elementos disponíveis” (seja lá o que isso for). Na verdade, isso significa que com base em um laudo qualquer, de um amigo qualquer, sem qualquer contato com as populações envolvidas, a autorização poderá ser efetivada. Mais uma vez o governo ignora e tripudia o conhecimento construído ao longo dos anos, fruto do incansável trabalho de campo de inúmeros cientistas em parceria com as comunidades.

Esse conhecimento sobre a realidade brasileira também foi ironizado na fala do mandatário do país, quando declarou que os ambientalistas só atrapalham e que se fosse por ele seriam todos confinados na Amazônia. “Se um dia eu puder, confino eles lá, já que gostam tanto de meio ambiente”. Na verdade, o que ele chama de ambientalistas são estudiosos, pesquisadores, lutadores sociais que têm um conhecimento técnico, prático e acumulado sobre os ecossistemas e sabem muito bem o que pode acontecer se continuar a devastação desenfreada que tanto querem os latifundiários e outros empresários rurais.

Os representantes do governo dizem que os povos indígenas serão consultados sobre os projetos e terão poder de veto sobre ações de garimpo. Mas, a considerar o que já acontece atualmente, com o aumento da violência nas regiões de terras indígenas, com a ação desinibida de jagunços e pistoleiros, não resta dúvida de que essa “consulta” está sob suspeita, visto que poderá ser feita a ponta de bala.
Também não se deve descartar a possibilidade de persuasão de algumas comunidades já bastante enredadas no modo de produção capitalista. A possibilidade de ganhar dinheiro arrendando as terras ao garimpo ou à agricultura poderá levar muitas comunidades a aceitar a transação, justamente porque vivem em situação de abandono por parte do poder público. A sedução do mundo capitalista é grande e o governo vai apostar muitas fichas nisso. É o que já afirma o presidente quando diz que os indígenas não têm hoje autonomia e que com esse projeto poderão de “libertar”, podendo servir ao capital sem qualquer amarra. Ele busca dividir para reinar com eficácia.

Mas, dentre as mais de 300 etnias que vivem hoje no Brasil, a maioria tem se colocado contra a proposta, porque sabe que essa é a porta aberta para a destruição do seu modo de vida e também do ambiente, com o qual consegue estabelecer uma relação harmônica. Para a população indígena, não há desconexão entre a terra e o ser humano. Tudo está ligado e precisa ser trabalhado de forma a manter o equilíbrio. Explorar a terra, exauri-la em projetos como a mineração ou a agricultura extensiva é matar também o seu próprio modo de ser. Por isso a reação a esse projeto será à altura.

Desde o início do atual governo, em janeiro do ano passado, que as entidades indígenas e as comunidades têm atuado em consequência. Atos em Brasília, marchas, recorridos internacionais, muita luta têm acontecido para denunciar a proposta e para conseguir apoio tanto dentro quanto fora do Brasil. As comunidades sabem que a proposta visa unicamente destruir qualquer forma de resistência da vida originária. Incluir os povos indígenas no modo de produção capitalista é condená-los à exploração, à miséria, à morte. Perder o controle sobre o território é perder tudo.

A ganância dos latifundiários, o ódio aos índios, e o desejo do capital em incorporar mais de um milhão de seres ao seu exército de escravidão serão elementos poderosos nessa batalha. Mas, para quem resiste desde há mais de 500 anos, isso não é novidade. Está duro, está mais escrachado, mas nunca foi muito diferente. Os indígenas lutarão e com eles muitos apoiadores. E como diz o ditado popular, “enquanto houver bambu, vai flecha”. Nada está perdido.

O rescaldo das lutas no Equador


16 de outubro de 2019

O Equador voltou a viver certa normalidade depois das jornadas de luta protagonizadas pelos povos originários, com a participação também da Frente Unitária de Trabalhadores, estudantes e outros movimentos sociais, contra o que chamaram de pacotaço, uma medida do governo que cortava o subsídio à gasolina (que já existe há 40 anos), elevando o preço do galão de 1,85 dólares para 2,39. Além disso, o decreto também atingia direitos já conquistados pelos trabalhadores e implicaria em novas medidas de ajustes com incidência na vida geral. Definia ainda uma redução de salários de até 20% para os trabalhadores contratados temporariamente pelo setor público, reduzia as férias dos trabalhadores públicos de 30 para 15 dias e exigia deles o valor de um dia de salário por mês para o fisco. Por outro lado dava vantagens aos empresários para compra de maquinaria e eliminava impostos da importação de tecnologia.

O argumento do governo para a assinatura do tal decreto é de que o Equador se encontra numa tremenda crise fiscal, com o acúmulo de déficit de 39 bilhões de dólares desde 2007. Só com o corte dos subsídios, Moreno esperava economizar dois bilhões e 273 mil dólares, e com as demais medidas pretendia chegar a cobrir 57% do total. E, com esse decreto, cumpria ordens do FMI, que prometia novo empréstimo de pouco mais de quatro (04) bilhões de dólares. Ou seja, nem resolveria o problema, e ainda projetava mais dívida e mais ajuste para chegar aos 100% do suposto rombo. Como os movimentos sociais sabem muito bem fazer contas, também souberam o que fazer: levantar os protestos.

Foram 11 dias de mobilização intensa nos quais os indígenas promoveram cortes de estradas, protestos nas comunidades, declararam estado de exceção e realizaram uma marcha até a capital, Quito, a qual foi tomada por mais de 20 mil originários vindos de diversas partes do país. Nesse dia, conclamado como greve geral, ao se unirem também trabalhadores urbanos e estudantes, a população em luta colocou o presidente Lenín Moreno em fuga, e ele instalou o governo na cidade de Guayaquil, bem como desatou uma violenta repressão contra os manifestantes. O saldo da jornada é de sete vidas perdidas, centenas de feridos e mais de 1.500 presos.

Mas, como já é tradição na luta indígena equatoriana, a repressão brutal não esmoreceu a luta e a saída do presidente foi convocar uma mesa de diálogo, finalmente aceita pelos movimentos, ainda que com o firme propósito de só avançar na conversa se houvesse a anulação do decreto 883. Do ponto de vista dos povos originários, a intenção não era derrubar o governo, tal como anunciara Lenín, inclusive acusando a Venezuela de estar ajudando nos conflitos, o que é uma total bobagem, pois a Venezuela está ela mesma vivendo um ataque sistemático por parte do império estadunidense. Os conflitos e o levante originário só aconteceram porque o decreto imposto pelo FMI e aceito por Lenín Moreno colocaria o Equador num atoleiro bem maior do que já está.

A batalha com as comunidades indígenas vem de longe. Mesmo durante o governo de Rafael Correa, que foi apoiado pelo movimento, os conflitos foram intensos, pois os originários não aceitam a lógica extrativista predatória implementada pelo governo. Quando Moreno se colocou como candidato fez muitas promessas às comunidades e chegou a chamar lideranças importantes do movimento indígena para seus ministérios. Só que apesar da aparente cooptação, a relação dos povos originários com o poder do estado sempre esteve relacionada com a forma como o estado responde às suas demandas.

Já houve o caso de esse mesmo movimento indígena ter colocado um presidente para correr, definitivamente, como aconteceu no ano de 2005 com a derrubada de Lúcio Gutiérrez, dirigente de direita, de ascendência indígena, que também defraudou o movimento, não cumprindo com os acordos e aprofundando medidas de corte neoliberal. Naquele ano, com mais de 50 mil pessoas (com protagonismo indígena) ocupando a capital, Quito, a população logrou garantir a renúncia de Gutiérrez e tão logo ela foi anunciada, o “paro” foi levantado e os comunheiros retornaram para suas vidas, deixando suas demandas com os novos dirigentes. Até então nunca fora cogitado tomar o palácio e instituir um governo indígena.

Durante o governo de Rafael Correa as relações estiveram bem por algum tempo e logo que os conflitos começaram, principalmente por conta da defesa da água contaminadas pela mineração, o próprio governo começou a atacar movimentos, em especial os reunidos na CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas no Equador), acusando-os de estarem aliados com a direita e com a proposta de retorno de Gutiérrez. Outra bobagem imensa. Os dirigentes indígenas são claros: não estão colados a esses conceitos de direita e esquerda. Querem respaldo para suas demandas, proteção ao território, à água, condições de existirem dentro dos seus supostos culturais, econômicos e políticos. Isso não significa que não compreendam estar mergulhados dentro do sistema capitalista, no qual esses conceitos de direita e esquerda tem mais sentido. Ocorre que trabalham numa outra sincronia. Isso também não significa romantizar o movimento indígena como um espaço de pureza, até porque existem algumas nacionalidades muito bem integradas no sistema capitalista de produção e bastante interessadas em que tudo fique como está. O que se tem de compreender é que são as condições materiais da vida da maioria que determinam os levantes.

Agora, com a instalação da mesa e o fechamento de mais um acordo, de novo surgem as críticas ao movimento, alegando de que está se aliando a Moreno outra vez. E de novo, os indígenas observam essas acusações com sua atávica paciência.  Sabem que foi a força originária que derrotou esse decreto. Conhecem sua capacidade de mobilização e apresentarão suas propostas. Eles querem que o tal déficit anunciado pelo governo seja atacado não com mais empréstimos que gerarão mais déficits e apresentam ideias simples como a eliminação do pagamento aos ex-presidentes, a recuperação do que tem sido roubado pela corrupção, a suspensão do perdão de dívidas do empresariado, a renegociação dos contratos, a focalização dos subsídios.

Por outro lado, como sempre acontece depois de manifestações tão intensas de força por parte das organizações populares, o governo joga diferentemente com cada mão. Com uma oferece a mesa e a possibilidade de os indígenas e trabalhadores urbanos participarem da formulação de propostas, e com a outra vai atuando na lógica do terrorismo de estado, atacando lideranças isoladamente, como a prefeita de Pichincha, por exemplo, que está com prisão preventiva por ter apoiado os protestos. E nada garante que nos próximos dias não apareçam notícias de assassinatos aqui e ali, nas comunidades que estiveram em levante. Todos sabem disso, se protegem como dá e avançam.

É fato de que se há incompreensão por parte dos trabalhadores urbanos não-índios sobre a luta indígena, também parece necessário aos movimentos indígenas avançarem na discussão sobre até onde podem ir sozinhos. Na luta contra o capital, que é global e internacional, as batalhas precisariam ser travadas em conjunto, por todos os explorados, índios e não-índios, tendo consciência de que o inimigo é justamente esse sistema de produção que afeta a existência material de todos os que não estão na bolha do 1%. Ao capitalismo não interessa nem a natureza, nem o humano. Tudo é visto como “recurso” para geração de lucro. Se um humano cai, outro é reposto. Se um lugar se esgota, partem para outro. E assim vai o capital, feito uma nuvem de gafanhotos, arrasando tudo o que toca. E essa é essa nuvem que precisa ser destruída. Sem essa vitória geral, as vitórias particulares serão só resistência e o massacre continuará. O bem viver não tem como existir no capitalismo.


O Equador e o sentido de comunidade


8 de outubro de 2019

Por conta do advento da internet, muita coisa que nos era desconhecia hoje chega com facilidade ao conhecimento. Uma delas é a mobilização indígena do Equador. Há quem se surpreenda ao ver as massas originárias enfrentando com paus e pedras a polícia fortemente armada, ou avançando pelas estradas como se fosse uma força da natureza. Mas, não há qualquer surpresa nisso. O nome dessa reação massiva e unificada chama-se comunidade.

Uma das coisas que o mundo moderno fez desaparecer foi justamente o sentido de comunidade. Muitos teóricos já se debruçaram sobre esse tema entendendo que nas sociedades modernas, formadas por grandes e médias cidades, só pode ser considerada comunidade a união de pessoas através de laços políticos na batalha por causas comuns. Ou seja, num mesmo bairro pode haver várias comunidades. É o que se consegue produzir coletivamente num universo tão partido e no qual é indivíduo que parece ter mais importância.

Mas, nas comunidades indígenas o sentido de comunidade não é uma ideia. É uma práxis. Ou seja, está entranhada no viver e no pensar. Muitos povos sequer têm na sua língua originária uma palavra para o “eu”. Porque o que existe desde sempre é o “nós”. No Brasil nos custa perceber isso porque nossos povos originários foram dizimados e os que restaram – cerca de um milhão – estão espalhados e discriminados num país que é praticamente continental. Mas,  em países como a Bolívia ou o Equador, a maioria da população é indígena, então, não é possível viver separado dessa realidade concreta. Nas pequenas e médias cidades o viver é comunitário, esse comunitário original, carregado no gen, que faz com que a maioria se articule em torno de causas comuns, que exista organizativamente como nos ayllus ancestrais.

Por isso que quando o sentido da vida é atacado por qualquer governo, essas comunidades se levantam em rebelião. E não é coisa simples ou singela. É uma reação visceral, violenta e poderosa. Podem viver em paz nos seus povoados e até negociar com governos de todas as cores – direita, centro ou esquerda – mas, se qualquer um deles resolve atacar a terra, a água, o equilíbrio do viver, a reação é imediata.

No Equador a história mostra que as rebeliões são frequentes e arrasadoras. Na história recente foram os povos indígenas que colocaram para correr o presidente Lucio Gutierrez, depois de terem sido engadas por promessas que não se cumpriram. Tomaram as ruas e o país inteiro. Depois, vitoriosos, voltaram para seus povoados, deixando o poder na mão da mesma velha elite que domina desde a invasão. São chamados de “capachos da direita” quando se aliam aos da direita, e são chamados de “comunistas” quando se aliam aos da esquerda. Mas, eles mesmos, não se vinculam a esses conceitos forâneos, coloniais. Preferem atuar dentro da sua historicidade permanente. Outros conceitos, outra práxis, outro ethos.

Agora estão mobilizados contra as recorrentes más decisões do governo de Lenín Moreno, de corte neoliberal, bem como se levantaram contra Rafael Correa, que se chamava progressista. Tanto um como outro tocaram no ponto central das gentes originárias: a terra-mãe. O extrativismo entreguista, a falta de diálogo no trato dos recursos naturais, o desconhecimento das autonomias, tudo isso põe os indígenas em pé de guerra. Os movimentos indígenas do Equador sabem que o país é berço de riquezas minerais incontáveis e também sabem que vivem num sistema capitalista, integrado e globalizado. Compreendem as razões de estado sobre o uso do petróleo ou dos minérios, mas querem ser consultados, querem decidir junto. E isso não acontece.

Hoje, já estão aos milhares nas estradas seguindo para Quito, muitos já estão na capital. Lá se juntam aos demais trabalhadores atingidos pelo pacotaço de Lenín Moreno, que mexe não apenas no subsídio da gasolina, mas também nos direitos laborais. É uma guerra de classe. E todos estarão juntos na tentativa de derrotar o governo. Como sempre, a eles pouco importa quem fique na cadeira presidencial. O que querem é que governe obedecendo. E se isso não acontece, derrubam. É simples e singelo. 

Aos atordoados brasileiros que observam os vídeos nos quais as comunidades enfrentam a polícia, os tanques, os drones, ou os grupos que chegam armados de paus e foices na grande capital, saibam que essa é a toada no Equador, bem como na maioria dos países indígenas. O que avança pelas estradas é a comunidade, o nós. Os que caem são pranteados e reverenciados, mas a coluna segue em frente, porque é uma coisa só.

O mundo indígena é complexo e belo. Há que conhecer e fazer esforço para entender.

"Estamos com medo, e vocês também terão"


3 de setembro de 2019

Texto do Cacique Raoni Metuktire, líder do povo Kayapó

Por muitos anos, nós, os líderes indígenas e os povos da Amazônia, temos avisado vocês, nossos irmãos que causaram tantos danos às nossas florestas. O que você está fazendo mudará o mundo inteiro e destruirá nossa casa – e destruirá sua casa também.

Temos deixado de lado nossa história dividida para nos unirmos. Apenas uma geração atrás, muitos de nossos povos estavam lutando entre si, mas agora estamos juntos, lutando juntos contra nosso inimigo comum. E esse inimigo comum é você, os povos não-indígenas que invadiram nossas terras e agora estão queimando até mesmo aquelas pequenas partes das florestas onde vivemos que você deixou para nós. O presidente Bolsonaro do Brasil está incentivando os proprietários de fazendas perto de nossas terras a limpar a floresta – e ele não está fazendo nada para impedir que invadam nosso território.

Pedimos que você pare o que está fazendo, pare a destruição, pare o seu ataque aos espíritos da Terra. Quando você corta as árvores, agride os espíritos de nossos ancestrais. Quando você procura minerais, empala o coração da Terra. E quando você derrama venenos na terra e nos rios – produtos químicos da agricultura e mercúrio das minas de ouro – você enfraquece os espíritos, as plantas, os animais e a própria terra. Quando você enfraquece a terra assim, ela começa a morrer. Se a terra morrer, se nossa Terra morrer, nenhum de nós será capaz de viver, e todos nós também morreremos.

Por que você faz isso? Você diz que é para desenvolvimento – mas que tipo de desenvolvimento tira a riqueza da floresta e a substitui por apenas um tipo de planta ou um tipo de animal? Onde os espíritos nos deram tudo o que precisávamos para uma vida feliz – toda a nossa comida, nossas casas, nossos remédios – agora só há soja ou gado. Para quem é esse desenvolvimento? Apenas algumas pessoas vivem nas terras agrícolas; eles não podem apoiar muitas pessoas e são estéreis.

Você destrói nossas terras, envenena o planeta e semeia a morte, porque está perdido. E logo será tarde demais para mudar

Então, por que você faz isso? Podemos ver que é para que alguns de vocês possam obter uma grande quantia de dinheiro. Na língua Kayapó, chamamos seu dinheiro de piu caprim, “folhas tristes”, porque é uma coisa morta e inútil, e traz apenas danos e tristeza.

Quando seu dinheiro entra em nossas comunidades, muitas vezes causa grandes problemas, separando nosso pessoal. E podemos ver que faz o mesmo em suas cidades, onde o que você chama de gente rica vive isolado de todos os outros, com medo de que outras pessoas venham tirar seu piu caprim. Enquanto isso, outras pessoas passam fome ou vivem na miséria porque não têm dinheiro suficiente para conseguir comida para si e para seus filhos.

Mas essas pessoas ricas vão morrer, como todos nós vamos morrer. E quando seus espíritos forem separados de seus corpos, seus espíritos ficarão tristes e vão sofrer, porque enquanto vivos fizeram com que muitas outras pessoas sofressem em vez de ajudá-las, em vez de garantir que todos os outros tenham o suficiente para comer, antes de alimentar a si próprio, como é o nosso caminho, o caminho dos Kayapó, o caminho dos povos indígenas.

Você tem que mudar a sua maneira de viver porque está perdido, você se perdeu. Onde você está indo é apenas o caminho da destruição e da morte. Para viver, você deve respeitar o mundo, as árvores, as plantas, os animais, os rios e até a própria terra. Porque todas essas coisas têm espíritos, todas elas são espíritos, e sem os espíritos a Terra morrerá, a chuva irá parar e as plantas alimentares murcharão e morrerão também.

Todos nós respiramos esse ar, todos bebemos a mesma água. Vivemos neste planeta. Precisamos proteger a Terra. Se não o fizermos, os grandes ventos virão e destruirão a floresta.

Então você sentirá o medo que nós sentimos.

Raoni Metuktire é ambientalista e chefe do povo indígena Kayapó

Publicado originalmente no Jornal The Guardian

Povos indígenas da Guiana Francesa contra a hipocrisia de Emmanuel Macron


27 de agosto de 2019

Solidariedade Amazônica

Há várias semanas os olhos do mundo inteiro estão voltados para a floresta amazônica. Ainda assim, frequentemente se esquece, arbitrariamente ou não, que essa floresta é habitada e manejada equilibradamente por povos indígenas há milênios. O vínculo fraterno que nos une entre os povos indígenas da Amazônia transcende as fronteiras administrativas.

Desde a Guiana Francesa, observamos com grande tristeza os incêndios que assolam nossa floresta em diferentes países. A Amazônia é o território ancestral dos povos ameríndios. A Amazônia serviu de refúgio no momento da rebelião contra o sistema escravista.

A floresta é mais do que um conjunto de árvores e animais. Nós, povos ameríndios e Bushinengé (quilombolas), temos com ela um vinculo especial em nível cultural, espiritual, econômico, etc.

Quando nós vemos as chamas, é tudo isso o que se queima e é isto que cria essa profunda compaixão e solidariedade para com os povos e comunidades que estão enfrentando diretamente essa tragédia.

Os responsáveis pela destruição

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro disse em 12 de abril de 1998 que: "[...] a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado." É óbvio que esse personagem profundamente racista tem grande parte de responsabilidade, mas o Grand Conseil Coutimier se recusa a ceder à facilidade e personificar o problema real que é na verdade, político e econômico e que está apoiado pela maioria dos governantes a nível mundial.

Estes não são meros incêndios, é o trabalho do capitalismo.

O Brasil não é o único país amazônico afetado pelas chamas, a Amazônia não é a única floresta em chamas, na África também a floresta queima e os povos e todos os seres sofrem com essa destruição.

O fogo não é o único perigo que ameaça ou destrói a Amazônia. O extrativismo é amplamente responsável. E estamos surpresos com a posição do presidente Emmanuel Macron, que consiste em denunciar a destruição da Amazônia brasileira ou boliviana, mas ao mesmo tempo entregar 360.000 hectares de floresta para empresas multinacionais de mineração na Guiana Francesa, na Amazônia francesa.

Nosso posicionamento

O Grand Conseil Coutumier é responsável por representar e defender os interesses dos povos ameríndios e bushinengés (quilombolas) da Guiana Francesa.

Desejamos reafirmar nossa solidariedade com os povos diretamente afetados por esses incêndios e pedimos à população que finalmente perceba a importância da floresta.

Nós nos recusamos a co-assinar a declaração da Ministra Annick Girardin, porque nela há uma falta de compromisso em reconhecer os direitos dos povos indígenas e seu papel na preservação da biodiversidade. Apoiamos sua proposta de aumentar o financiamento da UE para o desenvolvimento da Amazônia, no entanto a participação plena dos povos indígenas em sua gestão deve ser garantida. Apoiamos sua proposta de criar um fundo internacional para a Amazônia, mas defendemos que este seja gerenciado diretamente na Amazônia pelos povos e comunidades indígenas.

Notamos o compromisso do Presidente da República, Emmanuel Macron de "associar os povos indígenas"; no entanto, isso deve resultar na participação plena dos povos indígenas em todas as decisões relativas à Guiana Francesa e à Amazônia, garantindo o fortalecimento do Grand Conseil Coutumier como instância de decisória com meios incontestes de funcionamento.

Apelamos mais uma vez ao governo francês que ratifique a Convenção 169 da OIT, a fim de reconhecer verdadeiramente os direitos dos povos indígenas.

Por fim, a Amazônia é muito mais que uma floresta, é nossa "casa", está viva e está morrendo pela ação do homem. Juntos, vamos mudar o destino do nosso planeta e ter a coragem de mudar o rumo para o futuro e para a esperança.

Grand conseil coutumier des Peuples Amérindiens et Bushinengé

Original disponível em: https://agauche.org/2019/08/27/lamazonie-est-bien-plus-quune-foret-affirme-le-grand-conseil-coutumier-des-peuples-amerindiens-et-bushinenge/

Os incêndios e os indígenas


26 de agosto de 2019

Ainda que pouco se fale, dentro da mata que queima há dias existem comunidades indígenas, comunidades ribeirinhas e tradicionais. Gente que vive há milhares de anos na relação equilibrada com a floresta. Gente que coleta da mata aquilo que a mata dá, que pesca nos rios, que cultiva a mandioca e outras culturas milenares sem prejudicar o ambiente. Esse povo convive com os assassinos e os destruidores desde a invasão portuguesa e espanhola. Tem sido um sistemático massacrar, igualmente combatido numa resistência tenaz.

É fato que ao longo desses mais de 500 anos de invasão, muitas etnias foram extintas. Mas, há as que sobrevivem e seguem buscando existir de acordo com sua cultura ancestral, convivendo com o ambiente, manejando-o sem destruir, inventando novas formas de não sucumbir ao sistema capitalista que tudo arrasa ao transformar tudo em mercadoria. E são essas pessoas que conseguem manter esse rico patrimônio ambiental que, por sua grandeza, acaba sendo importante para todo o planeta.

Mas, é justamente essa parcela da população que enfrenta hoje no Brasil o pior dos ataques. Desde o primeiro dia do governo de Jair Bolsonaro, as comunidades indígenas, ribeirinhas e tradicionais passaram a viver com a faca estatal sob suas cabeças. É fato que o estado brasileiro nunca foi lá muito bom para os povos originários, mas, com Bolsonaro, assumiu uma posição de ofensiva agressão contra os indígenas. A aliança com o agronegócio feita para ganhar a eleição teve como objeto principal da negociação as terras indígenas. Os fazendeiros querem avançar sobre a Amazônia para explorar a madeira e depois plantar soja. E os mineradores, parte da mesma fatia de gente, querem as terras para fuçar o chão e extrair as riquezas minerais.

Por isso que ao longo desses meses o governo atuou com bastante agilidade no campo do Meio Ambiente, contra o meio ambiente. Multas de agressores da natureza foram anuladas, servidores dos órgãos ambientais que tinham atuação séria contra as violações foram exonerados, há registros de perseguição e censura aos funcionários e a suspensão das multas por desmatamento. Situações como agressões por fazendeiros aos trabalhadores do Ibama são toleradas e as falas presidenciais são uma clara permissão para que os criminosos atuem sem medo. Não bastasse isso, o governo cortou de maneira significativa as verbas destinadas aos órgãos ambientais. 

Há pouco tempo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais já havia alertado para um aumento exacerbado de desmatamento na Amazônia, situação que provocou a demissão do dirigente máximo do instituto, praticamente escorraçado pelo presidente do país, que segue negando os dados e a realidade para não comprometer seus aliados.

Os incêndios que se propagam pela região nessa época do ano são comuns, mas nunca chegaram a essa magnitude, o que mostra que eles extrapolaram as causas naturais. Essa semana foi divulgada uma informação de que um grupo de fazendeiros no norte do país, através de um grupo de uatizapi, coordenou ações de queimada visando criar um “dia de fogo” na região. A intenção era justamente queimar os espaços já desmatados para destruir provas da retirada das madeiras e, de quebra, preparar a terra para o plantio.

As etnias que vivem na região amazônica seguem fazendo o que fazem há séculos: resistindo. Protegem suas aldeias e enfrentam com seus corpos os ataques que não param. O fogo, o desmatamento, os jagunços, os homens do estado, a invasão dos grileiros, tudo isso é coisa cotidiana para quem vive na região. Mas, agora, com o sinal verde do governo federal para a invasão das terras indígenas, a situação piorou muito, o que demanda nova postura da comunidade. À resistência precisa se somar uma ofensiva, coisa que já está sendo gestada nas profundezas da floresta, no interior das comunidades, nas estradas secundárias onde circulam as gentes ribeirinhas e tradicionais.

A Amazônia não está queimando. Ela está sendo deliberadamente queimada. E a nós, que não vivemos na região e não enfrentamos essa realidade no dia-a-dia, cabe juntar-se à denúncia e ao protesto. Mas, esse protesto não pode se limitar a passeatas e atos públicos pontuais, que são importantes e necessários. Ele deve se ampliar na ação sistemática de parceria com os povos originários. Parceria real, que significa conhecer seu modo de vida, compreendê-los e realizar com eles atividades conjuntas de luta. Porque, ao fim e ao cabo, tanto os indígenas quanto os não-indígenas que são trabalhadores estão vivendo sob o ataque do mesmo inimigo: o capitalismo.  Se na Amazônia os capitalistas – consubstanciados em fazendeiros, mineradores e empresários transnacionais - querem usurpar as terras que ainda sobrevivem sob mãos originárias, nas cidades e nos campos eles se apropriam da vida dos trabalhadores sugando toda sua força de trabalho. Essa é, portanto, uma batalha que há que ser travada na comunhão dos oprimidos. É uma guerra de classes que está em curso e aí, não dá para contemporizar: ou estamos contra o capital ou não estamos. Já é mais do que sabido que acender vela para deus e o diabo ao mesmo tempo resulta em tragédia.

A Amazônia precisa ser preservada não porque é a natureza necessária ao mundo. Precisa ser preservada porque é morada da vida de milhares de seres – gente, bicho e planta -  responsáveis por sua existência e permanência. Se o trator e o machado vencerem, morre a vida da nossa gente. Por isso, estar com as populações originárias nesse momento é estar contra esse governo de morte e contra o capital.






Terra e Território na América Latina


2 de agosto de 2019

A jornalista Elaine Tavares, que atua no IELA desde a sua criação em 2004, sempre tratou de divulgar a luta dos povos originários na América Latina, visando constituir uma ponte entre esse movimento específico e os trabalhadores não-índios, que, tal qual os originários também estão submetidos à exploração do sistema capitalista de produção. Esse trabalho, realizado sistematicamente desde então, exigiu ordenamento e sentido de totalidade, e ela decidiu transformar essa caminhada numa tese de doutorado que finalmente foi defendida, no programa de pós-graduação em Serviço Social, em maio desse ano (2019). O trabalho “Terra e Território na América Latina – o desafio indígena na era do capital” está disponível em PDF para leitura.

Do trabalho, diz Elaine: “Essa é uma tese que trata do tema indígena, da invasão desde a Europa, do encontro que não houve e da necessidade de uma articulação entre os trabalhadores não-índios e os povos originários para a superação do modo capitalista de produção que promove, sem piedade, a destruição de toda a vida. É um trabalho pensado e escrito na paixão de quem, nascida na planura da pampa, na fronteira entre Brasil e Argentina, no embate cotidiano entre a lavoura de arroz, a peonada e os indígenas, foi se constituindo uma pessoa capaz de compreender as contradições da realidade material. E, compreendendo, seguir a máxima de Karl Marx que já nos advertia, no século XIX, que não basta entender o mundo, mas sim transformá-lo. Herdeira da saga charrua, etnia dos meus ancestrais, e confrontada com o sistemático êxodo das gentes Guarani, Tapes, Minuano, dos paysanos e dos gaúchos, sem terra e sem nada, pensar a invasão, a derrota e o atual levante dos povos originários, mais do que uma pesquisa, é um compromisso ético/político”.

O trabalho procura apontar elementos da cultura autóctone para que a esquerda brasileira possa melhor compreender a questão indígena e atuar em parceria com o movimento dos povos originários, entendendo que o grande inimigo comum é o capital.

Leia aqui na íntegra


Os indígenas e os trabalhadores não-índios: a luta tem de ser conjunta


29 de julho de 2019


E vocês da sociedade dos brancos, também podem ajudar  nessa luta. 
Primeiro, procurando se informar mais sobre a realidade de cada povo. 
Compreender o povo indígena. 
Os brancos precisam buscar, lá no fundo do coração deles, 
a verdade que existe e que tentam esconder”. 
Aurivan dos Santos Barros, líder Truká.

O assassinato de mais um indígena, desta vez no Amapá e por milícias de garimpeiros, é a sequência brutal da tentativa sistemática de destruição do mundo indígena para o roubo de suas terras ancestrais. A questão central sempre foi e continua sendo a terra. Essa é uma história que tem seu início em 1492, quando aqui chegaram os espanhóis dando início à invasão, a qual vem provocado profundas transformações ao longo de mais de cinco séculos. Nessa linha do tempo houve momentos mais duros, outros nem tanto, mas, no geral, a proposta tem sido a da submissão dos povos originários ao conceito de identidade nacional. Aplastam-se as diferenças, a cosmovivência, o modo de vida, na invenção de um sujeito nacional, integrado, que, sabemos, nunca se constituiu de verdade. Mesmo nos tempos em que as etnias quase desapareceram (anos 1960) a chamada integração foi uma farsa. O índio integrado no mundo capitalista (de maioria branca) sempre carregou a marca de sua identidade, vivendo sujeitado ao preconceito e a discriminação. Não há saída: se está na aldeia é um incivilizado e se vem para a “civilização” é um índio sujo. É uma via sem saída.

Justamente por isso que desde os anos 1980 os povos originários estão em luta pelo território original, fortalecendo suas culturas e sua maneira de viver, apontando outros caminhos para a convivência, já que é impossível desfazer o que já foi feito nesses cinco séculos. E, nesse caminho, assomam as ideias de autonomia e de plurinacionalidade.

Mas, a se considerar o sistema de produção no qual estamos todos mergulhados (índios e não-índios), que é o capitalismo, obviamente não há lugar para essa discussão. Ao 1% que domina pouco importam as lutas dos povos para seguir vivendo dentro de sua cultura. Há um fato inconteste: essa gente ocupa largas extensões de terra que estão na mira da exploração mineira, petroleira ou do plantio de grãos e pastoreio do gado. Para o capital, os povos indígenas são um atrapalho, uma pedra no sapato e, se tiver de arrancá-la a força, ele o fará.

Agora, em 2019, quando o Brasil retoma com força sua cara dependente, aprofundando sua condição de mero exportador de matéria prima, o ataque aos povos indígenas tende a se aprofundar. E, com o governo federal nas mãos do latifúndio, a situação fica ainda pior. Jair Bolsonaro disse em bom som num encontro com os representantes do agronegócio: “esse governo é de vocês”. Não é sem razão que desde o primeiro mês de governo os indígenas estejam alçados em luta. Foi o primeiro movimento social a se levantar e nesses sete meses já protagonizou vários momentos de efetivo ataque, com alguns ganhos pontuais.

Mas, apesar desses ganhos, a questão central segue sendo intocável: a terra. As comunidades podem ganhar uma ambulância, uma escola, um posto de saúde, mas enquanto isso jagunços armados estarão fazendo o trabalho principal que é o de expulsar as comunidades da terra. Abrindo espaço para o capital. Jair Bolsonaro acabou de indicar o filho para embaixador nos Estados Unidos justamente porque quer abrir caminho para as empresas que quiserem minerar no Brasil. Tudo está dito, claramente, sem véus.

É por isso que os ataques às comunidades vão continuar e com mais força. Nos cantões mais distantes, onde as milícias e jagunços puderem atuar com mais liberdade, a violência vai ser desatada, corporal. E onde os indígenas estiverem mais protegidos e organizados atuará o terrorismo de estado, via ministérios ou via judiciário. Todos os espaços onde houver possibilidade de exploração de minério ou da agricultura serão tomados.

Os povos indígenas farão o que sempre fizeram. Resistirão na luta, ainda que as forças sejam tremendamente desiguais. E é aí que devem entrar os demais trabalhadores não- índios. Há que se aliar aos indígenas na luta contra o capital. Sim, porque essa batalha é contra o sistema capitalista de produção, o que envolve também os trabalhadores sistematicamente explorados. No campo, o capital mata índios e sem-terra, visando tomar o território. E na cidade, vai retirando direitos, aumentando o tempo de trabalho, destruindo as conquistas sociais. É uma guerra de classe na qual estão todos envolvidos.

Infelizmente, pouco se vê da solidariedade concreta nas entidades dos trabalhadores. Não há ação das Centrais sindicais, dos sindicatos, dos movimentos ligados a outras lutas específicas, não há nada. O que há é a indignação individual expressa nas redes sociais cujo resultado é zero. Desgraçadamente os indígenas terão de retomar a velha estratégia de buscar apoio fora do país, nas entidades internacionais, o que só nos empobrece ainda mais como povo, incapaz de realizar a aliança necessária para proteger os verdadeiros donos desse território.

É fato que há comunidades indígenas integradas ao sistema e que apoiam as intenções do governo, acreditando que poderão se beneficiar com a cara do Brasil/Fazendinha. A ministra da agricultura e o ministro do meio ambiente já propagandearam sobre a terra indígena Utiariti, que fica no noroeste do Mato Grosso, uma das regiões mais cobiçadas do país por sua fertilidade. Nessa aldeia da etnia Pareci, os indígenas arrendam 18 mil hectares de terra a produtores não-índios que plantam soja transgênica e pagam uma porcentagem da safra para a aldeia. Justamente o modelo que o governo Bolsonaro quer implantar. Ainda que seja uma raridade na realidade indígena nacional, a publicidade que se faz dessa terra, à exaustão,  embota o pensamento do senso-comum que adere ao projeto, acreditando que índio não trabalha. Assim, o governo amplia o preconceito e os fazendeiros se apoderam das terras, pagando migalhas.

A mesma proposta – de arrendamento de terra – o governo está apresentando para projetos de mineração. As mineradoras explorarão o terreno mediante um aluguel e os indígenas ainda poderão servir de mão-de-obra. Tudo bem ao gosto do modo de produção capitalista dependente que promove a máxima exploração de terra e de gente, com o máximo de lucro e o máximo de destruição.

Tudo isso representa o capitalismo e sua proposta de degradação, que destrói o índio e destrói os trabalhadores não-índios. Logo, deveriam estar juntos nessa batalha. É certo que esse caminho é espinhoso e essa aliança difícil de ser feita, mas há que se pensar sobre lutas conjuntas. O colombiano Fals Borda apontou uma proposta que ele chama de socialismo raizal, na qual indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses e trabalhadores urbanos atuariam juntos porque, de certa forma, já vivem de maneira muito parecida, em cooperação, em solidariedade e em comunidade. Há que articular e se conhecer. Os indígenas compreendendo a luta dos explorados do sistema (que são brancos, negros, amarelos) e os trabalhadores compreendendo que os indígenas estão no mesmo espaço do grande barco Brasil: as galés. E, juntos, dá para assumir o controle do leme.

Bolívia: Povos originários garantem vitória no Tribunal Internacional de Direitos da Natureza


29 de maio de 2019

O Tribunal Internacional de Direitos da Natureza, com sede em Bonn, Alemanha, depois de dois anos, julgou o caso da violação de direitos da natureza no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure ( TIPNIS), Bolívia, onde o governo  começou a abrir uma estrada pelo meio da comunidade. Para o tribunal, o governo da Bolívia violou os direitos dos povos e da natureza e deve reparar os danos já provocados. O processo de invasão das terras precisa ser contido e o governo boliviano deve parar com os planos de expansão de exploração de petróleo na zona do TIPNIS. Para os povos indígenas foi uma grande vitória. Resta saber se o governo de Evo Morales acatará a decisão do Tribunal.

Bolívia: a relação entre indígenas e Estado


23 de maio de 2019

Entrevista com a professora e pesquisadora checa, Barbora Valiskova, da Universidade Hradec Králové, que há anos estuda a institucionalização do movimento indígena na Bolívia.

Acampamento Terra Livre - Análise das lideranças


7 de maio de 2019

Com o trabalho de entrevistas de Cris Mariotto, três importantes lideranças indígenas realizam uma análise sobre o acampamento realizado em Brasília no mês de abriCom o trabalho de entrevistas de Cris Mariotto, três importantes lideranças indígenas realizam uma análise sobre o acampamento realizado em Brasília no mês de abril. Eles falam dos desafios que têm pela frente agora com o novo governo e com o avanço do capitalismo sobre seu território.

A reforma (ou de-forma) da previdência e o impacto junto aos povos indígenas


21 de Fevereiro de 2019, Texto de Cris Tupan

Nós, os povos indígenas brasileiros, somos, como qualquer cidadão desse país, segurados da previdência social também. Estamos classificados em duas modalidades:

Se trabalhamos fora da aldeia, rural ou citadino e estamos registrados em carteira profissional ou, profissional autônomo contribuinte individual, temos os mesmo direitos que os trabalhadores não indígenas.

Se vivemos de artesanato confeccionado com materiais extraídos do nosso meio ambiente somos considerados segurados especiais (tal como o trabalhador familiar rural), conforme a instrução normativa 45 do INSS.

Quais são nossos direitos:
    salário maternidade
    aposentadoria por idade
    pensão por morte
    auxílio doença
    auxílio acidente
    auxílio reclusão

Esses direitos nos são assegurados em qualquer dos casos, seja como contribuinte efetivo, por sermos trabalhadores fora da aldeia ou na situação de não-contributivo, como o artesão.

A previdência social também é aquela que assegura o BPC, o Beneficio de Prestação Continuada, que é a garantia de um salário mínimo para os nossos anciões, incapacitados ou sem renda, benefício igualmente concedido a pessoas idosas não-índias, que não tenham conseguido contribuir o tempo necessário ou não tenham como provar que trabalharam.

Com a reforma da previdência proposta pelo governo ilegítimo de Bolsonaro nossos direitos serão dizimados, bem como os de todos os trabalhadores brasileiros.

No caso específico dos indígenas já estão atacando as demarcações, estão favorecendo e incitando a violência contra a gente, desmontaram a FUNAi, querem a municipalização da Saúde Indígena e agora, atacam nossos direitos previdenciários. É a continuidade do massacre, meu povo!

Alguns parentes não sabem, contudo, o seguinte: os nossos professores indígenas, agentes de saúde, profissionais indígenas que trabalham nas aldeias e são sub-contratados também já perderam os direitos previdenciários e não vão se aposentar, restando a eles apenas o BPC, que é igualmente uma proposta vergonhosa, pois pretende pagar apenas 400 reais aos velhos, garantindo um salário mínimo só depois dos 70. Além disso, a idade mínimo pode aumentar conforme índices do próprio governo atestem que a expectativo da vida do brasileiro aumentou.

Sendo assim, com o aumento sistemático da idade para se aposentar, a diminuição de 80% do BPC, o aumento da idade para requerer o beneficio e, ainda a desfiguração do auxilio maternidade para as famílias indígenas, só nós restara a morte.

Temos de atuar por aqui como em outros rincões da América Latina os parentes estão fazendo: unir as forças com a classe trabalhadora não indígena e lutar contra a reforma da previdência! Todos os profissionais indígenas devem ser mobilizados! Caciques e lideranças chamem reuniões, vamos bloquear rodovias, fazer greve em nossas escolas, tomar carros dos atendimentos em nossas aldeias, precisamos impedir a reforma da previdência. É questão de vida ou morte para todos os nossos parentes.

Um povo que, para o Estado, não existe

20 fevereiro 2019

Quando o estado brasileiro decidiu por em movimento o projeto Matopiba, a história era a de levar o progresso para o cerrado. Levar gente para uma terra aparentemente vazia. Só que não é assim. Esses espaços esquecidos do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia são eivados de comunidades, que vivem suas vidas na paz. Esquecidos das políticas públicas, mas não da vida plena. Agora, com o avanço da fronteira agrícola e todas as vantagens para os fazendeiros, as comunidades sofrem.

A jornalista Giselle Zambiazzi está no Piauí, na região sul, e conversou com Altamiran Ribeiro, da CPT-PI. Nesse depoimentos ele explica sobre os impactos produzidos pelo Matopiba sobre a vida das comunidades do Cerrado que vivem naquela região. Além da destruição dos seus modos de vida e do meio ambiente, há muita insegurança e violência sobre a população que não vê nenhum retorno das promessas de desenvolvimento e riqueza tão propaladas pelo projeto que anuncia o Brasil como "celeiro do mundo". O que ha é a distribuição da miséria que não existia antes na região. Vale ouvir até o fim!

Grilagem, fraude e violência na Região do Matopiba


18 fevereiro 2019

Matopiba é um projeto alardeado como um processo de desenvolvimento para o Cerrado e para o Brasil, mas que na prática leva à morte, à violência, à fome e à devastação para atender ao capital. Empresas transnacionais, com o apoio do Estado e de cartórios, criaram uma indústria de documentos falsos e grilam terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco e agricultores familiares que vivem do extrativismo, do artesanato e da produção tradicional de alimento.

Nesse vídeo, a jornalista Giselle Zambiazzi entrevista Claudia Regina Carvalho e Santos, liderança no assentamento Taboca, localizado no município de Currais, extremo sul do Piauí. Ela é uma das testemunhas que vivencia a violência diária do agronegócio sobre os trabalhadores rurais e comunidades tradicionais da região que ficou conhecida como “região do Matopiba”.

O projeto do Matopiba, que se espraia pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, divulga mundo afora que aquela é uma região vazia do Brasil pronta para investimentos e produção de commodities. Mas, Cláudia e os trabalhadores e trabalhadoras que ela representa estão aí para dizer que não: essa terra tem dono e é muito bem habitada sim, senhor!

População do noroeste da argentina luta contra a mineração



17 de Fevereiro de 2019

A ponta noroeste da Argentina, na província de Jujuy, é uma das regiões mais bonitas dessa grande américa baixa. Andar por aqueles espaços, eivados de cactos gigantes, silêncios, terras avermelhadas, desertos, misturados com a brancura das salinas e o azul dos lagos que misteriosamente assomam no meio do nada é uma experiência abissal. Aquele é um caminho de pura beleza para quem vai em direção aos Andes. Lá vive uma gente quieta, de poucas palavras, mas de coração gigante. Na pequena Susques, por exemplo, a maioria do povo vive da salina, um espaço gigantesco de onde se tira o sal. E, apesar do trabalho duro, há uma relação visceral das gentes com aquela natureza rude, árida e ao mesmo tempo assombrosamente linda. É dali que desde sempre as famílias tiram seu sustento e é ali que sabem viver, apesar das dificuldades.

Pois nos últimos dias, perto de 30 comunidades da região das salinas e da lagoa Guayatayoc, que assoma em beleza logo depois do salar, na região de Purmamarca, estão em luta. O motivo é o mesmo que tem perturbado a vida de milhões de pessoas no mundo e principalmente na América Latina: a mineração. Os moradores, da etnia Kolla, há tempos vêm se manifestando contra as intenções governamentais de instalar a exploração mineira nas salinas. Denunciam que virão grandes danos ambientais, e que toda a vida vai mudar, afetando a flora, a fauna e as nascentes de água doce que ficam no meio da lagoa.

Mas, o governo argentino quer explorar o lítio, um dos minerais mais importantes no momento, com o qual se faz, por exemplo, as baterias dos celulares. E, sem consultar as comunidades decidiu abrir licitação para lotear o espaço das salinas e também da lagoa. Os moradores reagiram, realizando uma assembleia comunitária no dia 12 de fevereiro, exigindo do governo o respeito à decisão das comunidades que já declararam a Bacia das Salinas Grandes  e a Lagoa Guayatayoc como “patrimônio  natural ancestral dos povos originários” e também como “zona livre da megamineração, mineração do lítico o de qualquer outro projeto extrativo que venha causar danos a Pachamama”.

O governo fez-se surdo aos ditames das comunidades e abriu licitação para prospecção  geológica, exploração e realização do projeto mineiro nas Salinas Grandes, Laguna Guayatayoc e no Salar de Jama, uma formação que se constituiu há 14 mil anos e que é fonte de vida para milhares de pessoas que vivem na região. Quem conhece a região sabe o que isso significa. É simplesmente quebrar a harmonia e a beleza de um dos mais belos ecossistemas da américa do sul. Para os povos originários a Pachamama é muito mais do que um pedaço de terra que pode ser vendido ou comprado. Pachamama é dimensão de espaço/tempo, é deusa, é mãe. A mineração é um corpo estranho ao equilíbrio e provoca uma profunda transformação no modo de vida de todos.

Por conta disso as comunidades se levantaram em rebelião e estão realizando paralizações na estrada geral visando discutir a questão. Na sexta feira o engenheiro que comanda a estatal responsável pela entrega do lugar à exploração do lítio esteve conversando com os manifestantes que acampam na estrada. Ele, bem como outros membros do governo, vinha propor realizar uma consulta, o que elevou ainda mais os ânimos. Ora, consultar depois de licitar? Consultar depois de decidir?

Os moradores foram claros: não querem consulta, não querem conversa e não querem a mineração nas suas terras.  “Não nos interessa o lítio. Nossos filhos não vão comer lítio. Eles comem o que dá a laguna, o que dá a terra, o que dá o sal”. Decidiram então permanecer acampados na estrada até o dia 20 quando foi prometida uma reunião com o próprio governador de Jujuy, Gerardo Morales. Até lá as paralisações na estrada continuam. Eles insistem para que o o governo anule a abertura da licitação e que sejam retirados todos os projetos de mineração para a área.

Enquanto isso, entidades e comunidades de todo o mundo se manifestam contra a mineração nos salares, em solidariedade ao povo kolla e na defesa do modo de vida das comunidades da região.