Língua Rapa Nui em risco de desaparecer


22.02.2018 - O povo Rapa Nui é um povo originário polinésio, que vive na Ilha de Páscoa, em meio ao Oceano Pacífico, um dos lugares mais isolados do mundo, que hoje pertence ao Chile. Está distantes cerca de quatro mil quilômetros tanto da América do Sul quanto do Tahiti. Atualmente conforma 60% da população da ilha.

Conforme os registros da história, baseada em datações de carbono, o povo Rapa Nui começou a ocupar a distante ilha entre os anos 300 e 1200 DC. Vieram das outras ilhas polinésias desbravando o oceano. Pareciam ser bons navegadores visto que há registros de contato com povos da América do Sul, com vestígios da presença de batata e do porongo, plantas não existentes originalmente na ilha.  O primeiro contato feito com os Rapa Nui se registrou em 1722, com a visita de um navegador europeu, Jacob Roggeveen, conhecido geógrafo e matemático holandês.  Depois, foi a vez do espanhol  Felipe Gonzales de Ahedo, em 1770 que a tomou em nome do império espanhol. Desde então o povo local perdeu a soberania, sempre colonizado.

A invasão mais organizada se deu em 1870, com a chegada de comerciantes que invadiram as terras e introduziram o gado ovino. Em 1888, o governo chileno anexou a ilha tornando-a uma espécie de grande fazenda de ovelhas, ainda que a administração de tudo ficasse a cargo de uma empresa estrangeira, escocesa. Os Rapa Nui nunca foram considerados e passaram a condição de verdadeiros escravos, porque trabalhavam, mas não recebiam salário, apenas víveres.

No ano de 1914 o povo local decidiu se revoltar contra a empresa escocesa, mas não conseguiu conquistar o direito de gerir sua própria terra. A chegada de um navio de guerra chileno, em auxílio à empresa, colocou por terra a rebelião.  Foi só na década de 90, do século XX, depois de muitas batalhas, em 1966, que os habitantes da ilha, os Rapa Nui foram reconhecidos como chilenos. Mas, vez em quando explodem novas rebeliões e protestos. A liberdade e a autonomia seguem sendo um sonho. Tão distantes do Chile os Rapa Nui não nhando com a liberdade.

E foi por conta da invasão espanhola e depois chilena que o espanhol passou a ser introduzido na comunidade e hoje, apesar da maioria das gentes ser Rapa Nui, poucos falam o idioma original. Entre os mais jovens, de idade entre oito e 12 anos, apenas 16% maneja a língua. A ilha tem pouco mais de quatro mil habitantes, a maioria vivendo na parte oeste, em Hanga Roa. São conhecidos pelas estatuas monumentais em pedra, os Moais, provavelmente esculpidas entre os anos de 12050 e 1500. Pouco se sabe o que representam, mas acredita-se que sejam aspectos da face dos ancestrais. Ao todo, na ilha, existem 887 monólitos que tem entre 1 a 10 metros de altura. São a principal atração turística e os responsáveis pela economia local. A terra é pouco fértil e Rapa Nui sobrevive basicamente do turismo.

O Povo Rapa Nui tem realizado muitas lutas exigindo do governo chileno mais autonomia para gerir sua existência. Mas, pouco tem sido o resultado. Agora, a Unesco vem advertindo para o risco de a população perder o domínio da própria língua, o que significa mais um golpe em direção à destruição da cultura local. É por isso que está desenvolvendo um projeto visando recuperar e fortalecer a língua originária.

Segundo os estudiosos, só assim será possível consolidar a riqueza da diversidade cultural em Rapa Nui (que é o nome original da Ilha de Páscoa). De qualquer forma, para além da intervenção de instituições internacionais como a Unesco, a organização do povo Rapa Nui em luta por soberania não esmorece. Sua principal demanda é justamente o território. Sem direito à terra e ao território original, toda a cultura se esboroa. Então, não basta realizar projetos de recuperação da língua, se as comunidades não podem viver sua cultura de forma totalizante. A língua de um povo está visceralmente ligada ás suas práticas culturais e estas, visceralmente ligadas ao território. Sem ele, a língua morre e projetos “humanitários” que não levam isso em conta tendem a fracassar.

Por isso é importante que o mundo leve em conta também a luta dos Rapa Nui pelo direito de mandarem na sua própria casa. É tempo do Chile devolver à ilha a quem ela pertence por direito.

Povo Anacé luta pela proteção da água no Ceará



20.02.2018 - Comunidades da etnia Anacé, no Ceará, sofrem a violência do estado e correm o risco de perderem não apenas suas terras, mas também o acesso à água. Tudo isso porque o governo decidiu retirar a água do Lagamar do Cauípe, que é um manancial protegido ambientalmente, para uso de empresas que ficam no complexo industrial: 900 mil litros por segundo, denunciam os indígenas.

A violência contra os povos indígenas não é de hoje. Ela começa com a conquista e desde então segue, sistemática. Dizimar, massacrar, extinguir, essa é a ordem. Por algum tempo, a ideia de aldear as comunidades foi bem aceita, desde que os indígenas se mantivessem lá, quietos, sem reivindicar direitos. Mas, se começam a exigir coisas, como o seu território ancestral, por exemplo, aí a coisa pega. Na queda de braço com os interesses do capital, o Estado nunca está ao lado dos povos originários. Pelo contrário, ainda que a Constituição determine a necessidade de consulta aos indígenas sobre qualquer ação nos seus espaços de vida, se o Estado determina que é de interesse nacional, o desejo dos indígenas nada vale. É assim que as terras originárias vêm sendo tomadas, sistematicamente, ao longo dos anos.

É por isso que em vários pontos do país a violência segue acontecendo, com o desalojo de comunidades inteiras em nome do “progresso”. Mas, na verdade, o progresso alardeado não é aquele que beneficia toda a nação. Ele no geral diz respeito a um grupo ou a uma empresa. É o caso do conflito existente hoje na região de Caucaia, Ceará, área metropolitana de Fortaleza, envolvendo o povo Anacé e a construção do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP) que vem interferindo de maneira significativa na vida e tradição dessa etnia, bem como de toda a população daquela região.

Segundo relatos de lideranças locais, na região de Caucaia, desde o início do século XVI há registros documentados sobre a existência dos Anacé, comunidade indígena que ainda resiste até hoje no mesmo lugar que estava quando aqui chegaram os portugueses e as missões jesuíticas. Eles sobrevivem, com sua cultural, mesmo quando o estado do Ceará, desde um decreto de 1863, declarou que ali não existiam mais vestígios de povos originários, visto que, segundo o então governador, as comunidades teriam assumido a religião cristã e não falavam mais a sua língua original. Uma mentira! O povo Anacé nunca se rendeu ao catolicismo, vive até hoje em Caucaia, tem sua própria crença e sua própria língua. E, desde 2006 está integrada a grande Assembleia dos Povos Indígenas do Ceará.

Pois em 1995 o governo do estado iniciou os trabalhos para a instalação, na região, do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, que surgia como um elemento capaz de fundamentar e atender as demandas empresariais, visando beneficiar indústrias de base voltadas para as atividades de siderurgia, refino de petróleo, petroquímica e de geração de energia elétrica. O lugar escolhido para a construção do complexo estava ocupado por famílias Anacé. Desde essa época vem sendo travada uma intensa luta pelo território. Até agora, noventa famílias já foram expulsas de suas terras por conta da apropriação feita pelas obras do complexo, com o beneplácito do governo do Ceará. Mas, restam mais de 300 famílias espalhadas pela região de Caucaia e São Gonçalo do Amarante.

Com o início da operação do terminal portuário em 2002 e a instalação de empresas nacionais e estrangeiras no complexo industrial, os problemas se agudizaram. Conforme contam Paulo e Climério Anacé a região do Lagamar do Cauípe soma hoje 27 comunidades, sendo a maioria delas formada por descendentes do povo Anacé. A residência de muitas famílias está localizada nas margens da Lagoa e do Rio Cauípe, de onde tiram o sustento e onde podem vivenciar sua cultura original. O Lagamar é um manancial que fica numa Área de Proteção Ambiental e Proteção Permanente, espaço turístico do Ceará conhecido no mundo inteiro, tendo como característica um esplêndido espelho d'água. E o rio Cauípe tem sido esse cenário de disputa e luta dos Anacés troncos velhos e dos seus atuais descendentes. Para se ter uma ideia as comunidades que vivem na beira do Lagamar nunca puderam tirar água da lagoa, pois é considerado crime ambiental. Mas, agora, o governo realiza uma obra que vai sugar a água e transportá-la para as empresas que ficam no complexo industrial. Um contrassenso. Os argumentos do governo dão conta de que em época de cheia o lagamar sangra e por isso a água pode ser retirada. Mas, a questão é: se sangra e não importa tirar a água, por que para as comunidades é proibido? E o que acontece quando não sangra, em época de estio?

A área dos Anacé passou a ser tema de processos de demarcação desde 2010 quando a luta se fortaleceu e as demandas por território foram apresentadas. Mas, o governo do Ceará faz vistas grossas ao assunto e não mobiliza qualquer força para dar andamento e conclusão do processo. Tudo isso possivelmente porque a região contestada está justamente às margens do complexo, espaço de cobiça de muitas empresas.  "Nossa luta por direitos sempre foram duras e muitas vezes tivemos que lutar com os meios possíveis para não perder tudo. Seja os parentes do Bolso e do Mato que já perderam suas terras para o CIPP (Complexo Industrial e Portuário), seja os parentes da Japuara que lutam pela retomada da Lagoa do Barro. Agora, nós, do Cauípe, fomos para cima do governo do estado desde que ele quis utilizar a necessidade de água do povo como moeda de troca pelas águas do Cauípe, para uso das indústrias do CIPP", conta uma das lideranças, Paulo França Anacé, morador do Planalto Cauípe. Segundo ele, as mais de 20 mil pessoas que vivem próximas ao complexo acabarão prejudicadas com a obra de retirada das águas. Além disso, a região é de proteção permanente, não tem cabimento uma obra dessa natureza.

Obras de tubulação seguem a todo vapor - água será desviada para complexo industrial
Obras de tubulação seguem a todo vapor - água será desviada para complexo industrial
Agora, com as obras de perfuração e de colocação dos canos que levarão a água do lago até o complexo, muitas famílias estão tendo que sair do seu lugar de moradia, espaço que ocupam uma vida inteira. E, de acordo com a população, bem como os coletivos jurídicos independentes que atuam junto aos Anacé, todo o processo para retirada das comunidades é ilegal. Além disso, os poços que o governo alega ter instalado para o fornecimento e abastecimento de água para as comunidades de Cauípe são fraudulentos e mentirosos, uma vez que a maior parte da água do rio será mesmo destinada para as empresas do complexo. O governo diz que vai puxar 200 mil metros de água por segundo, que é a vazão de sangramento, mas as lideranças comunitárias denunciam que serão cerca de 900 mil litros d'água por segundo, sendo que as empresas ainda terão isenção de 50% pelo uso. Ou seja, o governo tira a água das gentes, ameaça uma região de ecossistema frágil e praticamente doa a água para as empresas.  Assim, o que vivem os Anacé do Ceará não é somente a luta pelo seu território, mas também uma espécie de guerra pela água.

E justamente por conta dessa batalha pelo direito à água as comunidades realizaram, no final do ano passado, atos e fechamentos da estrada CE 085, trancando o tráfego desde Caucaia até as empresas, impedindo o escoamento dos produtos das empresas que ficam no complexo industrial portuário. A reação do governo de Camilo Santana (PT) foi a mesma de sempre, de todos os governos que se aliam ao capital: repressão. Assim, a resposta foi rápida e violenta com o uso das tropas estaduais, bem como a sistemática ameaça e tortura psicológica. Várias famílias tiveram suas casas derrubadas, indígenas foram algemados e levados à delegacia de crimes penais comuns. Tudo por resistir a esse projeto que retira deles as águas do Cauípe e os deixa, indígenas e natureza, em situação de fragilidade.

Mesmo depois dos atos de fechamentos das vias e da violência policial, que expôs de maneira clara a toda gente o drama dos Anacé, o governo se recusa a realizar audiências públicas para discutir a situação. Aos Anacé resta a tentativa de publicização da luta através de veículos de comunicação não-comerciais, visto que a mídia local, como sempre, é aliada do governo e do empresariado.

Conforme narra Verônica Oliveira, militante da causa no Cauípe, também o judiciário cearense mantém seus olhos fechados ao drama das comunidades, pois, apesar de a comunidade conseguir, por um curto período de tempo, barrar a obra de escavação e colocação dos canos para a retirada da água, o Governo do Estado do Ceará derrubou a liminar e tudo continuou. Vale ressaltar que a liminar que embargou a obra pedia o posicionamento da Funai sobre o tema, já que a região tem a presença indígena, mas a Funai nunca se manifestou, abandonando os Anacé a própria sorte, informa Verônica.  Por conta disso, as obras continuam e as comunidades seguem sendo perturbadas dia e noite pelas forças do capital, ameaçadas com tropas militares e até com helicópteros. A pressão para que abandonem o território é diária. Segundo os Anacé, a FUNAI e outros órgãos federais que poderiam ajudar no diálogo com o governo cearense, têm-se mostrado completamente distantes, sem considerar o sofrimento do povo indígena.

Ainda assim o povo Anacé resiste. Para as famílias que ali vivem, o Lagamar do Cauípe não é uma paisagem que pode ser especulada. É um espaço que precisa ser protegido da sanha do capital. Ali, naquelas águas vivem seus deuses, passeiam os espíritos. Mas, para o governo e para as empresas isso não tem qualquer valor, e a água do Cauípe segue sangrando em direção ao complexo, embutida nos tubos pretos, anunciando a destruição de uma das regiões mais belas do Ceará. 


Chora o mundo indígena por Marcondes Nambla


11.01.2018 - Quando se vai uma vida, vai-se um mundo inteiro. Porque cada pessoa carrega em si o universo. É por isso que a morte, nossa única certeza, é tão dolorosa.  Mais do que perdermos alguém que amamos é um mundo inteiro que se desmancha. Agora imaginem quando esse mundo é destruído por uma mão violenta. Um assassinato: que corta a existência na brutalidade, no preconceito, na intolerância.

Foi assim que a vida de Marcondes Nambla se interrompeu. Um homem, um pedaço de madeira e a gana insana de exterminar o que é diferente. Um homem contaminado por uma pedagogia que o mundo não-índio vem fortalecendo desde que as caravelas aportaram no Porto Seguro. Aquele que é diferente, o que não fala minha língua, o que não caminha por onde ando, o que se veste estranho, o que tem pele escura, o “outro”, esse tem de ser eliminado.

Foi assim que os portugueses foram exterminando todos aqueles que não faziam parte do seu mundo. E depois, mais tarde, seguiram fazendo a mesma coisa os nascidos nessa terra e os imigrantes. Matavam os índios para sua “segurança”. Afinal, roubavam suas terras, e eles revidavam. E eles eram os “maus”. O tempo passou, as terras foram tomadas e os poucos povos que sobraram andam por aí a mendigar seu próprio território. E continuam sendo expulsos, roubados e assassinados.

“Ah, o cara é louco. Não matou porque era índio. Mataria qualquer um”, diz um leitor em mensagem fechada, tentando me fazer crer que foi uma fatalidade. Mas a questão é: Marcondes era um índio. E estava na rua àquela hora porque teve de sair de sua aldeia para trabalhar. Porque a vida de sua gente e de sua cultura não pode se fazer no espaço parco que lhe foi dado. Tivesse terra, tivesse condição de viver como um Xokleng, não precisaria migrar para o litoral buscando conseguir uns trocados.

O mesmo se pode dizer dos jovens negros que tombam todos os dias nas favelas, nas periferias. Não estão ali por maus. Estão porque há uma sociedade que lhes tirou tudo. Que trouxe seus antepassados à força, que os escravizou,  que lhes deu “liberdade” mas não garantiu terra, lhes jogou no limbo. Agora, seguem matando porque são “frutas podres” do sistema. Os matam por medo, porque sabem que eles estão lutando para garantir sua vida bonita, como todo ser humano quer.

Nessa semana os indígenas de Santa Catarina se juntaram em Penha para celebrar a vida de Marcondes, para cantar suas rezas, para incensar sua alma imortal. Guarani, Kaingang e Xokleng enfrentaram a chuva e foram fincar uma lança bem no lugar onde Marcondes caiu, atingido por Gilmar, possivelmente outro pária desse mundo erguido sobre a violência do capital.

Nada trará Marcondes de volta. Mas era preciso marcar o chão. Para que ninguém esqueça que ali foi assassinado mais um filho dessa terra. Morto por nada. Caído por ser quem é. Um índio, desgarrado de sua gente, na dura missão de sobreviver.

Mas, se para o homem que matou o Xokleng,  Marcondes era nada, para sua comunidade ele sempre foi exemplo. Um professor dedicado, um pesquisador disciplinado, um cuidador de sua gente. Por isso os anciãos fizeram o sacrifício de sair de suas casas, e as gentes de todas as aldeias vieram para o litoral cantar seus cantos e honrar a memória.

Nos anos 60 do século passado até mesmos os estudiosos mais engajados na luta indígena vaticinavam que esse mundo estava acabado. Premidos pela sociedade não-índia, racista e violenta, as populações diminuíam, e iam desaparecendo. A “integração” era o que lhes restava, ou seja, sumirem nas periferias das cidades, engrossando o exército de miseráveis e famintos. Mas, nada disso se cumpriu. Os povos originários resistiram e cresceram. De 168 mil que eram em 1968, passaram a quase um milhão nesse 2018.

Estão aí, estão vivos e seguem em luta. Retomam terras, insistem na preservação de sua cultura. Não estão cristalizados no tempo. Tiveram mais de 500 anos de contato. Suas vidas estão marcadas pela ação dos não-índios, mas muita coisa ainda permanece intocada. É uma batalha cotidiana pelo direito de ser. Marcondes era um desses lutadores, na luta pela preservação da língua Xogleng.

Aos não-índios se apresentam dois caminhos: ou seguem o massacre, aceitando como normal que alguém morra porque é índio e que os originários vivam sem terra por aí, perdidos de todos os seus direitos, ou começam a compreender o que foi que aconteceu nesse espaço, a invasão, o roubo, o genocídio, a destruição e passa a defender o direito daqueles que sobreviveram ao massacre de ter o seu território e a sua cultura.   

Os originários ocuparão pouco menos de 15% do território nacional caso suas terras sejam reconhecidas. Isso é praticamente nada no universo dos mais de oito milhões de quilômetros quadrados. Eles têm esse direito. Por isso a luta segue.

Marcondes não está mais. Mas, no seu caminho segue uma fileira de outros Xoklengs. E enquanto houver uma única alma Xokleng, ela resistirá. E assim se dará, com todos os demais povos originários que seguem lutando. Há vida, há luta.

Professor indígena é assassinado em Penha/SC


03.01.2018 - Penha é uma cidade no litoral de Santa Catarina, que tem apenas 21 mil habitantes. É um lugar tranquilo para umas boas férias e é por isso que no verão ganha novas cores, com a presença de turistas. Pois esse lugar bucólico acabou sendo túmulo para mais um jovem indígena desse estado que abriga hoje apenas três etnias: a Guarani, a La Klanô Xogleng e Kaingang.

Para lá tinha ido o professor Marcondes Nambla aproveitar o verão para um trabalho temporário, vendendo picolé na praia. Vivendo na aldeia e atuando como educador, foi buscar uma renda a mais, visto que esse é o destino de grande parte dos indígenas. Não têm terra para viver sua vida e vivenciar a cultura e precisar sair para o mundo, em busca da sobrevivência. É uma triste realidade para os indígenas, sempre divididos entre o que são e o que o mundo que dominou a vida originária quer que sejam: integrados.

Mas, um índio nunca será integrado. Assim como o negro, ele carrega uma marca. A marca da exclusão, a não aceitação de sua pele, sua cor, de seu modo de vida, de sua existência, como se esse mundão de terras que conforma nosso país não fosse deles também. Os índios, por originários e os negros por terem sido trazidos à força e terem garantido a riqueza da nação.

Assim que, nesse movimento por viver, a virada do ano em Penha acabou sendo o fim da linha para o professor Xokleng. Ele foi encontrado no centro da cidade, caído na rua, com visíveis sinais de espancamento. Sua cabeça foi fortemente atingida, o crânio afundado, e os parentes - da Comissão Nhamonguetá - dizem que havia sinais de que um carro tivesse passado por cima do seu corpo. Era um jovem simples, nada tinha para ser roubado. Pode ter sido um atropelamento, não se sabe se intencional ou não. Os bombeiros que fizeram a ocorrência disseram que pode ter sido espancamento. Foi levado para o hospital, mas não resistiu.

Marcondes até pouco tempo circulava pelo Campus da UFSC onde se formou no Curso de Licenciatura Indígena. Tinha uma vida inteira pela frente, na batalha pela educação do seu povo e pela preservação da língua Xokleng.

Não pisará mais na aldeia, nem ensinará os pequenos Xoklengs. Lutou pela vida no hospital, para onde foi levado. Mas, não venceu essa batalha. Morreu no final do segundo dia de 2018.

Ainda não se sabe quem matou Marcondes Nambla numa noite que seria para celebrar a vida. Nem o que aconteceu de fato. Na delegacia de Piçarras, que é responsável pela comarca, o policial Elisandro informou que esse é um tempo complicado para a polícia, pois o sistema todo está em recesso. Segundo ele, os investigadores da cidade de Penha certamente estarão acompanhando o caso, mas uma informação oficial sobre o assassinato só poderá ser dada depois do recesso, que encerra dia 8 de janeiro. Em Penha a delegacia está fechada, ainda que agentes estejam de plantão. Elisandro diz que a investigação está andando, mas ainda assim há que esperar.

Enquanto isso, a comunidade Xokleng chora seu filho. Um a mais que é arrancado da vida, esse dura vida de povo originário, perdido de direitos.

O eclipse


14.11.2017 - Um magnífico conto do escritor hondurenho, Augusto Monterroso Bonilla, nascido em Tegucigalpa, naturalizado guatemalteco, conhecido pelas suas coleções de relatos breves e hiperbreves. Militante popular participou da luta que derrubou o ditador Jorge Ubico em 1944. Nesse pequeno texto, Augusto reafirma o profundo conhecimento do povo maya sobre a natureza. Um riqueza!

El eclipse

Cuando fray Bartolomé Arrazola se sintió perdido aceptó que ya nada podría salvarlo. La selva poderosa de Guatemala lo había apresado, implacable y definitiva. Ante su ignorancia topográfica se sentó con tranquilidad a esperar la muerte. Quiso morir allí, sin ninguna esperanza, aislado, con el pensamiento fijo en la España distante, particularmente en el convento de los Abrojos, donde Carlos Quinto condescendiera una vez a bajar de su eminencia para decirle que confiaba en el celo religioso de su labor redentora.

Al despertar se encontró rodeado por un grupo de indígenas de rostro impasible que se disponían a sacrificarlo ante un altar, un altar que a Bartolomé le pareció como el lecho en que descansaría, al fin, de sus temores, de su destino, de sí mismo.

Tres años en el país le habían conferido un mediano dominio de las lenguas nativas. Intentó algo. Dijo algunas palabras que fueron comprendidas.

Entonces floreció en él una idea que tuvo por digna de su talento y de su cultura universal y de su arduo conocimiento de Aristóteles. Recordó que para ese día se esperaba un eclipse total de sol. Y dispuso, en lo más íntimo, valerse de aquel conocimiento para engañar a sus opresores y salvar la vida.

-Si me matáis -les dijo- puedo hacer que el sol se oscurezca en su altura.

Los indígenas lo miraron fijamente y Bartolomé sorprendió la incredulidad en sus ojos. Vio que se produjo un pequeño consejo, y esperó confiado, no sin cierto desdén.

Dos horas después el corazón de fray Bartolomé Arrazola chorreaba su sangre vehemente sobre la piedra de los sacrificios (brillante bajo la opaca luz de un sol eclipsado), mientras uno de los indígenas recitaba sin ninguna inflexión de voz, sin prisa, una por una, las infinitas fechas en que se producirían eclipses solares y lunares, que los astrónomos de la comunidad maya habían previsto y anotado en sus códices sin la valiosa ayuda de Aristóteles.

Enfrentando os caminhos: desde baixo e em rebeldia


09.11.2017 - Conferência realizada pela jornalista Elaine Tavares, do IELA, durante o encerramento do Singa (Simpósio Internacional de Geografia Agrária), em Curitiba, no dia 05 de novembro.

Todo o debate realizado aqui mostrou que a terra é hoje, e sempre foi, o ponto central das disputas no mundo. Mas queria colocar uma questão para a gente pensar: por que, nesse momento histórico nós somos os “de abajo”. Responder esse ponto nos leva a refletir sobre nossa realidade. Somos os “de baixo” porque nos tocou viver dentro do sistema capitalista de produção em que para que um viva, outro tenha de morrer. Essa é a lógica e a natureza desse modo de produção. E é assim que se constitui um em cima e um embaixo.

Vivemos na América Latina, esse é o nosso espaço geográfico. Lugar que o sistema elegeu como periferia. Como já apontou o teórico Günder Frank nosso capitalismo é e sempre será dependente, uma forma específica de capitalismo, o outro lado da moeda. Não somos um espaço “em desenvolvimento”, ou passível de desenvolvimento. Por aqui, já dizia Frank, só pode se desenvolver o subdesenvolvimento.

Então, sendo periferia do sistema capitalista, na ordem das coisas o que nos cabe é ser exportador de matérias primas. Então, para o sistema, precisamos apenas plantar grandes extensões de terra, monocultura, e deixar que os grandes tirem do solo todas as demais riquezas.  Não nos cabe, na divisão internacional do trabalho, produzir ciência, conhecimento, manufaturas, nada.

Dentro das nossas fronteiras contamos com uma elite que atua como sócia menor do grande capital, sem qualquer sentido de amor pela pátria/mátria ou pelo povo do lugar. A pátria dessa gente é o dinheiro. Por isso mesmo, como afirma Ruy Mauro Marini, vive também um processo de cooperação antagônica com o imperialismo, servindo a ele nos seus interesses, se comportando como um exportador de matérias primas, e por outro lado, buscando constituir também uma periferia que lhe sirva, atuando como subimperialista na América Latina. O que não lhe tira a função de periferia do capital.

Sendo assim, nesse sistema, nós, os trabalhadores, estamos fadados à superexploração, também um conceito de Marini, ou seja: trabalhamos mais tempo, com mais intensidade e o salário que recebemos, a maioria de nós, está abaixo do que seria necessário apenas para manter a vida. Essa é a condição da superexploração. Ou seja, o capital mete a mão no nosso fundo de vida. Não satisfeito com isso agora procura estender a vida dos trabalhadores, a partir da indústria farmacêutica, e ao mesmo tempo tirar deles a possibilidade da aposentadoria. Mais tempo de exploração. Isso acontece aqui no Brasil e em todo o mundo onde esse direito foi conquistado.

Na geografia do capital somos um território de saque. De recursos naturais e humanos. Desde 1492, quando a Europa – notadamente Portugal e Espanha – mundializam a realidade e, com suas navegações e invasões  globalizam a economia, não tivemos mais as condições materiais de garantir soberania.
Antes da chegada dos europeus tínhamos nosso próprio modo de organizar a vida, que não era como o feudalismo europeu, que não era o capitalismo. Nos grandes estados que se conformavam aqui a lógica era tributária e as relações sociais marcadas por outra lógica. Na maioria dos povos imperavam outros elementos e formas de ver o mundo. Cito aqui quatro princípios que aparecem em praticamente todas as culturas viventes nesses espaço antes da conquista.

1  - Princípio da Correspondência – Tudo se corresponde, o pequeno com o grande, o interno com o externo, a terra com o cosmo. Por isso os fenômenos de transição como as nuvens, os montes, os solstícios, as fases da lua são coisas sagradas. Tudo liga o hapaq pacha(espaço de cima) ao kay pacha (o aqui, agora) e ao ukhuy pacha (mundo dos ancestrais).

2  - Princípio da complementariedade – Todas as coisas têm uma contraparte, um ser sozinho é incompleto, a oposição não serve para paralisar, mas para dinamizar a realidade. Há uma relação nas oposições, um equilíbrio dialógico.

3  -  Princípio da reciprocidade -  A cada ato deve corresponder um ato recíproco, seja entre humanos, humanos e natureza, humanos e divindades. A ética, portanto, não está limitada ao humano apenas. Há uma ética cósmica. Para eles a reciprocidade não é um ato de vontade individual, mas um dever cósmico que reflete a ordem universal da qual o ser humano é parte. Isso é o que determina o senso de justiça.

4  -  Princípio da ciclicidade  - o tempo e o espaço são coisas que se repetem, há um movimento circular ou espiral interminável. Cada círculo é um ciclo, uma estação. Não há nada de novo, tudo volta. O tempo é uma relacionalidade cósmica, como o bater de um coração. Para eles o tempo se divide entre o antes e o depois e tem densidade, tempo forte, tempo fraco. Cada lapso no tempo tem o seu propósito e não é dado ao homem pressionar o tempo. Tudo é feito na hora que tem de ser feito.

Claro que não era o paraíso, havia guerras, havia formas de escravidão, enfim... Mas, as culturas se moviam e avançavam.

Pois bem, tudo isso foi destruído violentamente pela conquista. Arrasadas as cidades, os estados, as culturas, o pensamento.

O resultado disso tudo foi a colonização violenta: do território, do pensamento, da política, da economia, da cultura e da arte, de tudo. As grandes extensões do território, que tinham um caráter comunitário,  viraram propriedade privada, um modo de vida deixa de existir para nascer outro fundado na exploração das terras e das pessoas.

O hoje

No mundo globalizado a vida é comandada desde fora. Nesse tempo que Lenin chama de imperialismo, os monopólios ditam as regras, que são internacionais, ou seja, valem em todo o planeta. Consolida-se a ideia de que o capitalismo é uma ordem que melhora a vida das pessoas no geral, basta que a gente se esforce.

Com isso, passa-se a inviabilizar os grupos e classes que lutam/resistem em nível local. Os interesses dos monopólios capitalistas transnacionais aparecem como os interesses gerais, contando para isso com a parceria dos meios de comunicação que universalizam interesses particularistas.

Sendo assim, se tudo está globalizado, eles perguntam: importância tem a luta de um milhão de índios, quando está em jogo a melhoria de vida de bilhões de pessoas? Por que preservar um parque, um rio, se milhões podem ser beneficiados com a produção de energia? Essas são verdades que a mídia corporativa – braço armado do capital – reproduz. O controle do espaço sempre serve aos interesses do capital. Por isso há que inventar um consenso de que há muita terra para pouco índio, que os sem terra destroem as matas (o agro negócio sim é pop, é tec, é vida). Há que dizer que os quilombolas são inúteis e que não pode meia dúzia de negros querer discutir um tempo que já passou. Por isso, o sistema capitalista, com o apoio das mídias comerciais procura destruir conceitos como comuna, soviets, ejido, ayllu, terras comunais, porque eles implicam em outra forma de organizar a vida: comunitária, coletiva. Tudo que implica local, nacional, comunitário é completamente rechaçado pelos gestores do capital.

É nessa “vibe” que nós estamos, entrando inclusive numa nova era, com a aparição e o lento consolidar de outro império: o chinês, que é a grande nova locomotiva do mundo capitalista globalizado. Se vocês prestarem a atenção verão o quanto a China está entrando com força na América latina, não apenas vendendo bugigangas, mas abocanhando territórios, comprando terras, financiando negócios gigantescos, como a obra do canal na Nicarágua, por exemplo, ajudando a destruir e a reprimir as lutas locais. A China tem sido desde 2009, o principal parceiro da América Latina – em alimentos e matérias primas – tanto que os portos do Pacífico já ultrapassam os do Atlântico em negócios. 

Bueno, resumidamente é essa realidade que nos coloca no campo dos “de baixo”.

E, sendo os de baixo, oprimidos com tanta violência, nada mais nos resta senão a rebeldia. E isso não é coisa de agora. Na nossa Abya Yala essa rebeldia começa poucos meses depois da chegada da frota de Colombo, quando o cacique taíno Hatuey percebe que aqueles homens que ali estão não vieram em paz. Ele então rema de Dominica até a ilha de Cuba para organizar a rebelião...

E desde aí, é a história... Estamos, então, desde o final do 1400 em contínuo processo de luta contra a dominação. Por vezes temos alguma vitória, mas no geral, perdemos.

Como pátria grande tivemos agora, na contemporaneidade, um momento único, quando Hugo Chávez vence na Venezuela e traz com ele a espada e as ideias de Bolívar. Pela primeira vez desde a conquista, vários países da AL encontram um caminho conjunto de resistência e pela primeira conseguem impor uma estrondosa derrota ao império, impedindo a consolidação da Alca. Importante lembrar que esse processo começa em 1994, quando os zapatistas no México se levantam em armas, num momento em que o mundo globalizado alardeava o fim das grandes narrativas, o fim das utopias.  E esses índios esquecidos de Chiapas incendeiam o mundo com suas armas e sua palavra. Hugo Chávez vem logo depois e a América Latina começa a viver um período no qual palavras como soberania, pátria grande, cooperação passam a ter sentido real.

Depois, vêm as grandes mobilizações indígenas no Equador, na Bolívia. Vem a virada na Argentina, no Uruguai, na Nicarágua, Brasil, Paraguai, enfim, uma configuração jamais vista. No nosso território a ilha de Cuba resistira sozinha por muito tempo, e agora tinha parceiros. Foi um momento estelar. Telesur, Banco do Sul, Unasul, fraternidade com o Caribe, essa região esquecida e desconhecida.
Mas, esse ascenso popular não ficou barato. O império respondeu com força. Tentativa de golpe na Venezuela (2002), Invasão do Haiti (2004), golpe em Honduras (2009), golpe no Paraguai (2012), permanente ataque a Venezuela, golpe no Brasil (2016) e em meio a tudo isso, violento rechaço às lutas que, ao fim e ao cabo, são lutas pelo território. O capital, querendo abocanhar tudo e os indígenas, quilombolas e empobrecidos na batalha por terra e moradia. Nessa guerra contra os trabalhadores e os empobrecidos vale tudo: assassinatos, desaparições, aplastamento. Nada muito diferente do que sempre foi.

No Brasil, vivemos nosso drama também. Um governo que por 13 anos teve a possibilidade de fazer reformas estruturais, e que não as fez. Teve a chance de organizar os trabalhadores, e não o fez. Ao contrário, cooptou e domesticou. O resultado foi o que vimos em 2016. Um golpe judiciário/parlamentar dado, e a completa incapacidade de reação. A classe trabalhadora, mesmo aquela fatia que saiu às ruas em grande número num primeiro momento, como bem avalia o Plínio Sampaio Jr, estava desarmada, e não tem conseguido ainda dar a devida resposta ao golpe. Tudo acontecendo numa sequência vertiginosa.

E com o golpe, vamos vivendo também uma regressão igualmente vertiginosa. Perda de direitos, fascistização da vida, fortalecimento da oligarquia rural, regressão ambiental, a legalização da escravidão, fundamentalismo religioso. A treva total.

Os monopólios, que são o governo mundial, seguem firmes reordenando o espaço geográfico conforme seus interesses, e a modernização conservadora segue a passos largos, aparentemente sem encontrar adversários à altura. Vivemos perdas e perdas.

Diante disso a questão que se coloca é: que fazer?

Temos dois caminhos: ou seguimos acreditando que o capitalismo pode ser humanizado e centramos as baterias na disputa de espaços dentro do sistema, na disputa das políticas públicas para melhorar aqui e ali, ou pegamos o touro à unha, direto nos cornos. Conspiro da segunda opção. A conciliação de classe e a tentativa de “negociação” com o capital já mostraram definitivamente que não é possível caminhar em união com o sistema: não há possibilidade de vida melhor para a maioria, não há desenvolvimento sustentável. No capitalismo, não há.

O capitalismo já mostrou que não está preocupado com as pessoas. Não tem piedade, nem compaixão. Não está preocupado com o comunitário, com o bom viver. Seu destino é crescer e acumular. É um metabolismo sem controle como diz Mèszaros.

A única saída para os de baixo é destruir o capitalismo, criar nova forma de organizar a vida. Com um detalhe: na América Latina, precisa levar em conta a nossa herança originária. Nenhuma proposta pode ser construída sem a participação efetiva do mundo originário. Até porque é esse mundo que hoje faz a luta de resistência mais importante. A luta real pelo território. A luta pela natureza, que não é pastiche nem ritualizada em firulas pós-modernas. A proposta do mundo originário é o bem viver. Temos que dar ouvidos a isso. Incorporar essa cosmovisão à nossa velha ideia de socialismo. No caso do Brasil, onde a maioria da população é negra, esse povo também tem de ser ouvido. Suas memórias de África, sua cosmovisão, sua forma de organizar a vida. Esse é o desafio... Incorporar as formas de viver daqueles que conformam nossa matriz como povo, e que já dispunham de mecanismos para o bem viver no passado.

Não se trata de voltar no tempo, mas de tirar desse passado o que foi bom e constituir outro tecido, no qual esses elementos sejam reinventados. Um encontro real entre o mundo originário deste nosso espaço geográfico, com o dos negros que foram trazidos à força e com o socialismo, que foi a resposta europeia ao capital. Tudo isso pode nos levar a uma proposta nova de vida.

Então, a desalambrar, como diria Daniel Viglietti, ou os sem terra... A desalambrar. Romper as cercas do capital e caminhar para a felicidade.

México: começa a campanha zapatista


22.10.2017 - No ano de 2006, quando de eleições presidenciais no México, os zapatistas escolheram o Delegado Zero para sair pelo país, visitando os 32 estados, realizando o que chamaram de “outra Campanha”. Eles queriam andar pelos caminhos discutindo a grande política, os verdadeiros problemas do México, sem disputar nenhum cargo. Naqueles dias foram bastante criticados e acusados de atrapalhar a campanha de Lopez Obrador, então candidato da ala mais progressista. Mas, os zapatistas não se importaram e realizam o trabalho, juntando milhares e milhares de pessoas por onde passava o Delegado Zero. Sua proposta, plasmada no lema: abaixo e à esquerda, era refletir com os mexicanos a necessidade de superar o capitalismo, governar obedecendo, na horizontalidade e na igualdade.

Nesse ano de 2017 os zapatistas aprovaram outra estratégia e, depois de muitas discussões, apresentaram uma candidatura para disputar as eleições.  Essa candidatura representa os princípios do Conselho Indígena de Governo e atua mais como uma porta-voz de todo o processo zapatista de bom governo. O nome escolhido foi o de Marichuy, uma mulher indígena.

A proposta de campanha do CIG segue o rastro daquela outra levada pelo Delegado Zero anos atrás. Circular pelo país juntado as gentes e discutindo os grandes temas nacionais. Esse recorrido já começou e a cada pouco Marichuy aparece em alguma região para massivas rodas de conversas. Outra vez, a forma de fazer política dos zapatistas recebe críticas. E outra vez são acusados de atrapalhar uma possibilidade progressista.  Mas, os zapatistas seguem, lentamente, procurando fazer debates em profundidade, capazes de realmente tocar as mentes e os corações naquilo que é estrutural no México. O propósito eleitoral é secundário. O principal é levar informação e formação.

A caminhada de Marichuy pelo México segue entre percalços. No dia 15 de outubro, quando ela chegava à região de Altamirano y Ocosingo, os sinais de celular e de internet foram cortados, para atrapalhar a comunicação. Os poderosos sabem que a comunicação é um dos elementos mais importantes no processo zapatista. Mas, apesar das sabotagens a vida segue e a caminhada também. “Nem a porta-voz do Conselho Indígena de Governo, nem os zapatistas são a solução: a solução são vocês, é cada um de nós”. Essa é a palavra que ecoa nos caminhos.

Nos chamados Caracois, espaços de governo zapatista, a recepção da caravana de Marichuy tem sido quente e massiva. Milhares de pessoas se movimentam pelas veredas até os locais de encontro que são sempre acompanhados de bandas locais, festas e outras atividades culturais. E ninguém se importa de esperar horas ao sol. Ao contrário dos comícios de outros candidatos, eles não estão ali para receber brindes ou migalhas em troca de votos. Não. Eles estão ali para ouvir a palavra que lhes representa. A palavra do movimento que tem garantido terra e bom governo. Eles ouvem e se enchem de esperanças: “Nossos avós sonharam com isso. Eles não puderam ver uma mulher indígena disputando a presidência, isso nos toca a nós”.

Nessas andanças zapatistas, a mulher é a figura mais destacada. E as comandantas que fazem uso da palavra lembram sobre como era a vida de todas elas antes do levantamento armado de 1994, quando assomou o exército zapatista desde a Selva Lacandona. “Era trabalho duro, humilhações, violações, nossos filhos forçados a trabalhar desde muito cedo, castigados sem dó, dívidas jamais pagas, opressão”. Isso acabou depois que assumiram a rebelião, deram sentido à raiva, adentraram à selva e começaram a construir uma nova forma de viver.

As mulheres sabem o quanto avançaram e hoje são comandantas, conselheiras, membros das juntas de bom governo. Por isso são elas que abrem as caravanas, junto com  Marichuy. Ela sempre chega ladeada por meninas e anciãs, representando o caminho percorrido e o que ainda tem para andar. Tudo é cheio do simbolismo das gentes originárias. E elas cantam, enquanto cobrem com flores a porta-voz do movimento: "Maria de Jesus, não te vendas! Maria de Jesus, não te rendas! Maria de Jesus, não claudiques! Maria de Jesus, não estás só! Com quem estás? Com o povo!” É de arrepiar.

O Conselho Indígena de Governo, na figura de Marichuy, não traz promessas. A proposta é um chamado à organização. Até agora o CIG tem 141 conselheiros representando 35 povos de 62 regiões do país e a ideia é estar organizado nas 93 regiões do país. Sempre na lógica do mandar obedecendo, o jeito chiapaneco de ser.

O recorrido de Marichuy apenas começou, mas já está mobilizando os lugares. O Caracol de Oventic chegou a reunir mais de 10 mil pessoas no dia 19 de outubro para ouvir a palavra que anda: "Embaixo, desde o fundo da terra, a dignidade está nascendo num novo mundo em meio à destruição, à dor e à raiva de nossos povos, dos campos e das cidades. Do povo trabalhador que é explorado até a morte, despojado de tudo o que tem, reprimido por pensar e rebelar-se, depreciado por ser diferente, por ser pobre, por ser mulher, por falar na nossa própria língua, por dizer a verdade, por olhar para baixo e não para cima, por voltar a ver a companheira e o companheiro em vez do amo, o cacique, o patrão, o mau governo. Por isso dizemos novamente que no relógio disso que chamamos humanidade, agora se marca a hora do que somos, do que fomos e do que seremos”. É a palavra de Marichuy.

E assim vai seguindo a caravana zapatista por dentro do México profundo, acompanhada pelo vento forte da presença e do exemplo de Emiliano Zapata e sua gente. “É a primeira vez na história do México que uma mulher indígena vai dizer que temos a capacidade de governar um país. E quando ela diz que pode, com ela também o dizemos todas”.

Os zapatistas sabem que não será fácil esse caminho. Precisam recolher assinaturas para formalizar a candidatura de Marichuy e já enfrentam muitas formas de sabotagem. Mas, isso não é novidade na vida desse povo que está em luta desde a invasão em 1492. Assim que a caravana seguirá pela estrada, construindo uma agenda nacional, formando grupos de trabalho sobre terra e território, autonomia, mulheres, jovens, crianças, pessoas com deficiência, migrantes, diversidade sexual, justiça, trabalho e exploração. Hoje, nas áreas zapatistas já se pratica o bom governo. E o México um dia poderá viver essa beleza também.

Por isso, a campanha segue: abaixo e à esquerda!

12 de outubro - o começo do massacre


12.10.2017 - Contam que foi assim. Naquele outubro de 1492, fazia um dia lindo de sol no mar dos Caraíbas e os arawakes observaram as estranhas embarcações que se aproximavam. Quando perceberam que ali vinham homens, correram para recebê-los com água, comida e desejos de boas vindas. Mas, toda essa hospitalidade foi logo entendida como fraqueza e é assim que descreve Colombo em seu diário, o povo que, de braços abertos, o acolheu: “Trouxeram louros, bolas de algodão, lanças e outras coisas que trocaram conosco por contas de vidro. Não tiveram qualquer inconveniente em nos dar tudo o que possuíam... Eram de forte constituição, corpos bem feitos e boas feições... Não carregam armas de fogo, não as conhecem. Ao tocarem numa espada, a tomaram pela lâmina e se cortaram sem saber o que fazer com ela. Não trabalham o ferro. Suas lanças são feitas de taquara... Seriam uns criados magníficos... Com cinquenta homens os subjugaríamos e com eles faríamos o que quiséssemos”. Já neste breve escrito pode-se perceber qual a lógica da armada de Cristóvão Colombo: a cobiça e o desejo de dominar. Tanto que nas primeiras tentativas de conversa com os nativos das Antilhas, onde aportaram, a primeira pergunta que sofregamente repetiam os espanhóis era: “onde está o ouro?”

É que Colombo havia saído de uma Espanha recém unificada, que ansiava pelas riquezas da Ásia para melhor constituir seus estados. Ele mesmo ambicionava ao posto de governador das terras descobertas, além dos 10% sobre todas as riquezas que encontrasse. Era disso que se tratava a viagem.

Nas ilhas aonde chegaram os espanhóis, os arawakes viviam em pequenas comunidades, com uma agricultura baseada no milho, batata e mandioca. Sabiam tecer e fiar, mas não domesticavam nenhum animal. Não conheciam o ferro, mas, desgraçadamente levavam pequenos ornamentos de ouro nas orelhas, o que acendeu a cobiça. Por conta disso Colombo aprisionou alguns homens e os fez guiar as embarcações para onde hoje é a ilha de Cuba e depois para o que é hoje o Haiti e República Dominicana, pois ali supostamente haveria mais ouro. Chegando às ilhas, ao receberem de presente de um dos chefes locais uma máscara de ouro, decidiram ficar. Ali haveria de ter mais do metal precioso.  Assim, com as madeiras da caravela Santa Maria, Colombo ergueu a primeira base militar estrangeira nas terras de Abya Yala e a chamou de Navidad. Aprisionou mais indígenas e começou o processo de matança que ainda segue até os dias de hoje.

Na verdade, conforme conta o historiador estadunidense Howard Zinn, naqueles dias Colombo ainda acreditava que havia chegado à Ásia, embora em algum lugar ignorado da costa chinesa. Sobre os moradores do lugar escreve aos soberanos espanhóis: “Os portos naturais são incrivelmente bons e há grandes rios, a maioria deles com muito ouro. Os indígenas são tão ingênuos e generosos com suas posses que se não tivesse visto com meus próprios olhos eu não acreditaria. Quando se pede algo que têm, não se negam a dar. Ao contrário, se oferecem para compartilhar...” E foi por conta destes informes da generosidade autóctone a da promessa de ouro que Colombo conseguiu receber mais 17 caravelas e 1.200 homens para uma nova expedição “às índias”, com o propósito de conquistar escravos e mais ouro. E assim foi feito. Mas, como não havia ouro na quantidade desejada, muitas foram as mortes e as atrocidades cometidas contra os arawakes. Conforme Howard Zinn, os que falhavam na missão de recolher ouro tinham as mãos cortadas e morriam sangrando.

Vivendo essas barbaridades, aqueles que haviam recebido os espanhóis com tamanha generosidade começaram a perceber que ali estava um povo cruel e cheio de cobiça. Foi quando tentaram reunir um exército de resistência, embora muito pouco pudessem contra as armaduras, mosquetes, espadas e cavalos. A mais importante liderança desse povo foi Hatuey, um cacique taíno, que chegou a ir remando desde onde hoje é a República Dominicana até a ilha de Cuba para avisar aos demais povos da região sobre as atrocidades dos espanhóis. Ao chegar, Hatuey aconselhou os parentes para que se preparassem para grandes batalhas e também que sumissem com todo o ouro que tivessem pois esse era o demônio que movia a invasão. A partir daí, ele mesmo comandou alguns grupos em ataques contra os espanhóis. Frei Bartolomé de Las Casas, narra uma cena, atribuída ao grande cacique taíno. Conta que junto a um baú com ouro e joias, ele falou aos parentes:

"Este é o Deus que os espanhóis adoram. Por isso eles lutam e matam, por isso eles nos perseguem e por isso é que temos de atirá-los ao mar. Nos dizem, esses tiranos, que adoram um deus de paz e igualdade, mas usurpam nossas terras e nos fazem de escravos. Eles falam de uma alma imortal e de recompensas e castigos eternos, mas roubam nossos pertences, seduzem nossas mulheres, violam nossas filhas. Incapazes de nos igualar em valor, esses covardes se cobrem com ferro que nossas armas não podem romper".

Hatuey tentou organizar a luta dividindo os homens em pequenos grupos para ataques surpresa, usando pedras, paus e flechas. Mas, Diego Velázquez conhecia bastante bem as técnicas dos indígenas e conseguiu ir debelando os grupos rebeldes. Além do conhecimento das táticas dos autóctones, os espanhóis tinham uma arrasadora capacidade técnica, já que contavam com armas de fogo, armaduras, lanças de ferro e até cachorros farejadores. Com o tempo, eles foram exterminando os focos de resistência e conseguiram prender o cacique Hatuey.

Depois de passar por terríveis torturas, o cacique foi condenado à morte na fogueira. Era preciso não deixar qualquer rastro que fizesse dele um herói ou que o rememorasse. Mas, ainda assim, Hatuey virou lenda, como o primeiro grande rebelde dessas terras contra a invasão. Contam que quando já estava para ser acesa a fogueira que colocaria fim a sua vida, um padre, de nome Olmedo, acercou-se e perguntou se ele não gostaria de - naquela hora extrema - converter-se ao cristianismo.

Hatuey encontrou forças para perguntar:
- Os espanhóis também vão para o céu dos cristãos?
- Sim, claro - disse Olmedo.
- Então eu não quero o céu. Quero o inferno. Porque lá não estarão e lá não verei tão cruel gente.

Hoje, na região de Granma, em Cuba, num povoado chamado Yara, bem na margem de um rio que tem o mesmo nome, onde segundo narra a história, foi o lugar onde Hatuey ardeu na fogueira, ocorre um fato que lembra sua valentia e a tentativa de parar a violenta invasão. Ali, no povoado, corre até hoje uma lenda. Nas noites escuras sempre é possível vislumbrar uma luz, que muda bastante de tamanho e que parece seguir os viajantes que passam pelo lugar. Para os moradores, a luz - que até hoje nenhum cientista conseguiu explicar - é a alma de Hatuey, que segue ali, como um símbolo, a lembrar da resistência do povo indígena. Naquelas margens, o bravo cacique segue sendo reverenciado, ainda que já tenham se passado mais de 500 anos de sua morte. 

Com a morte de Hatuey e o sistemático desmantelamento da resistência indígena na região, os originários começaram a se ver sem saída. E, não aceitando mais a escravidão, os arawakes iniciaram um processo de suicídio em massa, utilizando o veneno de uma mandioca tóxica. Igualmente, se nascia alguma criança, logo era morta para não cair em mãos espanholas. Assim, em pouco mais de 20 anos da invasão, mais de 250 mil arawakes já haviam perecido. Em 1550 restavam apenas 500 indígenas, e em 1650 estavam praticamente extintos da região onde hoje é o Haiti. No total, em toda a região das Antilhas, mais de três milhões de índios havia desaparecido diante da sanha do ouro trazida pelos espanhóis. É o que fala o historiador estadunidense Samuel Eliot Morinson: “A cruel política iniciada por Colombo e continuada por seus sucessores desembocou em um genocídio completo”.

E exatamente como Colombo exterminou os arawakes nas Antilhas, Hernán Cortéz repetiu o feito com os aztecas, zapotecas, e demais povos, no México, Francisco Pizarro destruiu os Incas na região andina e, bem mais tarde, os ingleses dizimaram os povos originários da região do que hoje são os Estados Unidos. Tudo isso em nome de uma coisa só: o ouro. Colombo iniciou, portanto, um violento e complexo sistema de tecnologia, negócios, política e cultura que dominaria o mundo desde então.

Vida em resistência: A comunidade Goj Veso, de Iraí/RS

13.09.2017 - Trabalho das jornalistas Julia Saggioratto e Cláudia Weinman sobre a resistência de famílias indígenas, da etnia Kaingang, na cidade de Iraí, Rio grande do Sul. Produção: Cooperativa Desacato.


Quem são os donos das terras em Santa Catarina?


24.08.2017 - O trabalho minucioso e silente do ecologista e militante social Gert Schinke sobre a questão da terra em Santa Catarina resultou num livro explosivo, lançado em 2015: "O Golpe da Reforma Agrária: Fraude Milionária na Entrega de Terras Em Santa Catarina". Olimpicamente ignorado pela mídia comercial, o trabalho de pesquisa de Gert denuncia as doações irregulares feitas pelo Estado, durante a ditadura militar, à amigos e correligionários, desvelando assim a farsa sobre a posse do território.

O livro do Gert apareceu justamente num momento em que a cidade discutia vivamente o tema da posse da terra, depois de experienciar a impactante e paradigmática “Ocupação Amarildo”, uma toma de terra na região da praia de Canasvieiras por famílias que não podiam mais pagar os abusivos aluguéis cobrados na ilha. A ocupação, apesar de ter sido violentamente combatida, com as famílais sendo retiradas do local, colocou à nu a verdadeira face dos “donos da terra” e levantou o debate sobre uso do solo. Naqueles dias, o empresário Artêmio Paludo reivindicava a terra como sua e, depois, foi comprovado de que não era. Havia ali acontecido a típica grilagem. Ou, no bom português: roubo.

Pois o livro, apesar de boicotado pelos meios de comunicação, seguiu seu caminho. Era um trabalho de investigação, totalmente documentado, e que mostrava como o governo havia usado a proposta de “reforma agrária” pensada antes do golpe de 1964, para presentear os amigos através do Instituto de Reforma Agrária de Santa Catarina. Na pesquisa, foram registrados os nomes e sobrenomes das famílias que levaram terras, grandes extensões, de maneira totalmente irregular.

Tudo parecia seguir o velho caminho das denúncias que se fazem sobre os ricos: o vazio. Mas, sem que se pudesse prever, essa semana a Polícia Federal (PF) chegou a dois órgãos do estado: a  Secretaria de Agricultura e Pesca e o Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina (Ciasc). Tinha um mandado de busca e apreensão de documentos. Os agentes levaram caixas e caixas dos materiais históricos referentes ao repasse de terras no Estado para terceiros. Foram recolhidos microfilmes e papéis com registros antigos da reforma agrária que agora o Ministério Público Federal (MPF) pretende investigar. Eles querem saber se, de fato, conforme denunciava Gert, foram distribuídas áreas da União de forma irregular.

Segundo o procurador João Marques Brandão Neto todo o material também vai passar por um processo de digitalização, para evitar que se percam.

É certo que discutir a posse da terra no Brasil é sempre mexer num vespeiro e tudo pode acabar em pizza, principalmente nesses tempos. Mas, sempre há uma chance de a justiça acontecer. Para Gert Schinke, autor do livro que provocou essa ação, a sensação é de pura alegria. Afinal, foi o seu paciente estudo que levou a essa descoberta, de ilegalidades e fraudes. Na época da pesquisa ele mesmo se surpreendeu que as provas estivessem todas ali, nos arquivos, mostrando o quanto a classe dominante vive certa da impunidade sobre si.

O trabalho de Gert, apesar de não ter sido discutido ou conhecido pela mídia comercial, gerou debates em todo o Estado, pois aponta os ganhadores de terra em várias regiões de Santa Catarina. Por conta dessa recepção, ele seguiu pesquisando e agora em setembro lança a segunda edição do livro, revisada e ampliada em mais de duzentas páginas.

A verdadeira face dos “donos das terras” aparece em sua claridade. Nesses momentos em que “empresários” discutem inclusive a legalidade da ocupação indígena no Morro dos Cavalos, por exemplo, é fundamental conhecer como foi que boa parte dos barões das terras no estado tiveram acesso a ela.

A segunda edição de o "O Golpe da Reforma Agrária: Fraude Milionária na Entrega de Terras Em Santa Catarina" será lançada no dia 4 de setembro no salão da Reitoria da UDESC, às 19h. mais um sucesso da Editora Insular.

Luta contra o marco temporal


16.08.2017 - Hoje o STF discute a constitucionalidade de um decreto (Decreto 4887 de 2003) efetuado no governo Lula sobre  os quilombolas e os indígenas, que garante direitos e participação nos processo de demarcação e reconhecimento dos territórios.  A tese contra o decreto é a do Marco Temporal, que determina que só as comunidades que já ocupassem territórios tradicionais no ano de 1988 teriam direito a discutir sobre a posse desses espaços.

Ora, quem conhece a história dos povos originários nesse país sabe muito bem que as etnias foram escravizadas, dizimadas ou obrigadas a fugir quando a invasão de suas terras começou em 1500.

Por aqui, no território brasileiro viviam cinco milhões de almas, que chegaram ao seu menor número na década de 1960, quando contavam apenas 160 mil. Ao longo de cinco séculos, os invasores quase lograram exterminar as nacionalidades indígenas.

Ocorre que não conseguiram. Muitas etnias resistiram e voltaram a crescer. Hoje, contam um milhão de pessoas que exigem seus territórios históricos para viver e cultivar sua cultura. Pode-se pensar que é um número pequeno, diante da totalidade de quase 200 milhões de habitantes. Mas, isso não significa que por serem poucos não devem ser respeitados no seu direito a uma terra que é legitimamente suas.

O mesmo ocorre com as comunidades quilombolas, formadas por negros que conseguiram escapar da escravidão. Há com eles, igualmente, uma dívida histórica, afinal, seus antepassados foram sequestrados de suas terras e trazidos para cá à força. Isso exige reparação. E todos estão nas terras bem antes de 1988.

Mas, para aqueles que controlam a vida no sistema capitalista de produção, não existem conceitos como justiça ou direitos. E a terra é mero espaço de especulação, mercadoria. Não estão satisfeitos em controlar quase 70% das terras agricultáveis, querem tomar também o pequeno espaço reservado aos povos originários, que ocupam cerca de 12%  do território, muito dele ainda não legalizado.

Os latifundiários, que são a linha de frente do ataque ao indígenas, insistem em reclamar que há muita terra para pouco índio e a mídia comercial reverbera esse mantra, fabricando um consenso nacional. A mesma mídia não revela que o Brasil é segundo país no mundo em concentração de terra e que uma única pessoa pode ser dona de mais de um milhão de hectares de terra.

A verdade é que é que há muita terra na mão de poucos latifundiários. Praticamente 300 pessoas se apossaram de quase 70% do território. Então façam as contas:

300 têm 70% das terras
Um milhão ocupam 12% das terras. 

É muita terra para pouco quem? E foram esses poucos latifundiários que tiveram agora, no governo Temer, suas dívidas perdoadas. Eles devem quase um trilhão de reais, e Temer perdoou 25% do valor, bem como eliminou 100% dos juros que incidiam sobre ela.

Alguém pode dizer: Ah, mas os latifundiários são responsáveis pela produção. Não é verdade. Quem realmente produz comida para a gente comer são os pequenos e médios produtores, cerca de 12 milhões, que ocupam perto de 20% da área agricultável do país. E é esse povo, nesse espaço pequeno de terra que produz 70% de tudo o que comemos.

Então essa conversinha de “marco temporal” nada mais é do que outro golpe dentro golpe. A ganância sem limite de um sistema que é incontrolável.

Para os povos originários e quilombolas, que hoje estão em vigília, tanto em Brasília como em todas as comunidades que se espalham pelo país, o único marco temporal possível de ser aceito é o de 1500. Seus ancestrais estavam aí, vivendo livremente, quando foram invadidos e roubados. E os negros estavam no território africano, livres.

Aos não-índios, que vieram depois, tudo o que se pode pedir é que compreendam sua história e apoiem a luta dos povos originários e dos quilombolas pelos seus territórios. Diante da magnitude do roubo que foi efetuado, diante do sequestro, o que pedem é muito pouco. Demarcação de seus territórios tradicionais, liberdade para viver em paz.

Já quanto ao STF as expectativas são sombrias, afinal, os que ali estão são defensores da classe dominante. Pouco se pode esperar de justiça. É a luta que vai determinar a vitória dos indígenas e dos quilombolas. E a luta continua.

Representantes indígenas na Constituinte venezuelana


02.08.2017 - A eleição dos oito representantes indígenas que ocuparão cadeira na Constituinte foram eleitos nessa última terça-feira, dia 1, conforme os costumes das comunidades, com os mecanismos escolhidos pelas próprias etnias, com a supervisão do Conselho Nacional Eleitoral. Eles tomarão posse junto aos demais eleitos amanhã.

O estado venezuelano, além de garantir cadeiras específicas para os povos indígenas, também dá total autonomia na escolha de seus representantes, levando em consideração a realidade e os ancestrais costumes das nacionalidades que vivem dentro do território. Por conta disso a votação foi feita em separado, para que a forma originária fosse respeitada. Essa é mais uma forma de garantir a participação protagônica e democrática dos venezuelanos. 

Na região sul do país, representando os estados de Amazonas e Apure, foi eleito Nelson Mavio,  enquanto as populações do oeste, pelos estados de Zulia, Mérida e Trujillo, elegeram Aloha Nuñez, Indira Fernández, Noleí Pocaterra e Freddy Panapera.

Na região leste da Venezuela, pelos estados de Monagas, Sucre, Anzoátegui, Delta Amacuro e Bolívar, foram eleitos Clara Vidal, Zoila Yanez e Elías Romero.

Ao todo, na votação de domingo, participaram 8.089.320 venezolanos, que escolheram os 537 membros da Assembleia Nacional Constituinte (ANC).

Ainda é 1500


31.07.2017 - A cena é tocante. Na beira do asfalto, um grupo de indígenas olha, entre estupefato e triste, outro grupo de gente, branca, postado em cima da passarela. Os brancos estendem faixas, denunciando uma “invasão” dos indígenas e dizendo que a demarcação das terras ameaça o seus lares. São moradores da comunidade Enseada de Brito, que fica próxima à terra Guarani, no Morro dos Cavalos. Vê-se que são “bem-nascidos” e poderiam estar no rol das chamadas “pessoas de bem”. Um deles ostenta a camisa amarela da CBF, de triste papel no Brasil atual.  Na verdade, um pequeno grupo organizado por políticos da região ligados ao DEM. De longe, eles se olham. Os Guarani, como sempre, no silêncio circunspecto. Esperam, tranquilos, mas não mansos.

Lá no alto, os brancos ostentam o preconceito e a ignorância. Pouco sabem sobre o mundo indígena. Em nem querem conhecer. Tal como no longínquo 1500, chegam com suas bandeiras e verdades, vendo o outro, diferente, como inimigo. E não são.

Já os Guarani observam com aquele mesmo olhar afiado com o qual miraram as caravelas naqueles tempos distantes. Viram os homens chegarem e acolheram com risos e oferendas. Mas, ao longo desses mais de 500 anos, eles já sabem que a hospitalidade nunca valeu de nada diante da cobiça. Carregam bem fundo na alma e no corpo e memória da violência, do massacre, do assassínio, do terror.

Hoje, nesse domingo de sol, eles se olharam outra vez. Distantes. O diálogo mais uma vez impossível.

A terra da área do Morro dos Cavalos é uma terra que já foi demarcada, portanto, legalmente terra indígena. Ali vivem as famílias que conformam a comunidade Guarani. E, como é do seu costume, as famílias se movimentam dentro da área. Assim, hora estão aqui, ora ali. É a sua maneira de viver.
Incansáveis na perseguição aos indígenas, alguns políticos da região, liderados pelo vereador Pitanta (DEM), continuam provocando a discórdia na tentativa de jogar a comunidade de Enseada contra os Guarani. Já foi assim durante o processo de demarcação, foi assim durante a desintrusão, foi assim nas conversas sobre a obra na BR 101. Acostumados a mandar no pedaço, eles não reconhecem a forma de viver dos indígenas, não aceitam o fato de que a terra está demarcada e buscam atrapalhar a vida dos Guarani ao máximo, esperando talvez que eles desistam e vão embora.

É a história “patas arriba”. Chamam de invasores aos donos originários de toda aquela terra. Uma terra que os Guarani nem reivindicam, e poderiam. Afinal, tudo era deles. Mas, em vez disso, se contentam com o espaço conquistado, que nem é o ideal. Agora, tudo o querem é viver em paz, do jeito deles.

É uma vida de sobressaltos. Quando não têm de viver esses momentos patéticos, precisam se defender de jagunços, de jornalistas mal intencionados, de políticos oportunistas, da justiça, da polícia, de tudo. O tempo todo na defensiva, como se fossem bandidos. Não são.

A farsa da “manifestação” armada pelo vereador é só mais um ataque dos tantos, cotidianos e sistemáticos. Porque a intenção é colocar medo, fazer com que se movam, saiam da terra, abandonem tudo. Afinal, quem pode viver assim, o tempo todo ameaçado, acossado?

O dia acabou e os manifestantes foram para casa. Jantarão felizes, por certo, comentando a ação contra os índios, os quais odeiam sem conhecer. Na aldeia, os Guarani discutem e se preparam. Sabem que não acaba aí. A terra é ouro para o branco.

Estamos no século XXI e no Brasil os colonizadores conseguiram exterminar grande parte dos povos originários. As pessoas brancas acham bonito vê-los no museu ou nas apresentações do dia do índio. Mas, não suportam saber que eles estão por perto, que se movem, que lutam, que buscam garantir seus direitos. Índio bom é índio quieto e distante. Mas o fato é que eles estão aqui e aqui ficarão.

Tenho dúvidas sobre se essas pessoas que são capazes de sair à rua, portando cartazes que chamam os indígenas de invasores, estão abertas ao diálogo. Tenho dúvidas. Mas, é preciso seguir tentando. Os povos originários, que chegaram a um número de 150 mil nos anos de 1960, praticamente a beira da extinção, agora já passam de um milhão. Levantam-se e assumem sua identidade. Querem viver em paz nos seus territórios. Para isso é preciso que o povo brasileiro os conheça, sem armaduras, de peito aberto, pronto para um encontro verdadeiro.

No velho Brasil colônia, dominado pela cobiça, isso não foi possível. Mas, hoje, muitos há que se solidarizam, que respeitam, que apoiam e que lutam junto. Essa é ainda uma longa caminhada. Mas, não há saída. Como dizem os chiapanecas, das montanhas mexicanas: “nunca mais o mundo sem nós”. E assim é. É preciso reconhecer o território originário, demarcá-lo e garantir que os povos vivam em paz. Mas, não nos iludamos. O que está por trás de ações como essa de hoje, na Enseada, é a velha luta de classes. Os indígenas, como os trabalhadores empobrecidos, estão no mesmo lado. O inimigo é o mesmo. E contra ele, vamos – como dizia o velho Quixote – travar uma longa e feroz batalha.

Fotos e informações: Comunidade Guarani

Terras indígenas: não sobrará nada se não houver luta


21.07.2017 - O presidente Michel Temer aprovou no dia 19 de julho, o parecer feito pela Advocacia-Geral da União e com isso, determina que toda a administração pública federal observe, respeite e dê efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Popular PET nº 3388/RR (caso Raposa Serra do Sol). Essa ação determina que o governo pode atuar, suspendendo, inclusive, a demarcação de terras indígenas, se for para garantir “salvaguardas institucionais”. O argumento do presidente é o suprassumo do cinismo: que isso “servirá para garantir a pacificação dos conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais, diminuindo a tensão social existente no campo, que coloca em risco a vida, a integridade física e a dignidade humana de todos os envolvidos”.

Com essa anuência formal ao parecer da AGU o presidente indica que o caminho está aberto para os latifundiários, a bancada do boi, o agronegócio, os grileiros de terra. Qualquer terra indígena, sob o argumento de que exista sobre ela “um interesse nacional” poderá ser tomada. Nelas podem ser abertas estradas e instalados equipamentos públicos. Ou seja, sem essa de respeitar o direito ou a vontade dos povos originários. Cabe lembrar que as terras indígenas conformam parcos 12% do território nacional, mas sob elas estão muitas riquezas, tanto minerais como vegetais.

Qualquer pessoa com um mínimo de compreensão sabe que o conceito de “interesse nacional” pode variar bastante conforme a direção que um governo dê a isso. Logo, a notícia mostra que Temer já sinaliza favoravelmente a grandes transformações no âmbito das terras indígenas. A assessoria do planalto, bem como a mídia comercial, que é servil ao Estado e ao capital, insistem em dizer que essa assinatura de Temer ao parecer da AGU, não muda nada na lei e nem no andamento das demarcações, sendo apenas a internalização de uma decisão do Supremo que já está tomada.

Isso é uma meia verdade. A decisão de intervir nas terras usando a desculpa de “interesse nacional” foi mesmo tomada pelo Supremo, mas as comunidades indígenas estão em luta contra ela. Eles sabem – com uma sabedoria de 500 anos – que qualquer coisa pode ser “interesse nacional”, inclusive o assassinato sistemático de indígenas para “limpar” as áreas, tornando-as presas do latifúndio. Lembram bem que isso já foi uma política nacional e que agora ainda segue, camuflada, mas segue. Basta ver a completa omissão do estado diante dos ataques dos latifundiários que, inclusive, fazem ações contra os índios em conjunto com as forças públicas.

Outro ponto de rechaço total é o chamado marco temporal. O Supremo quer reconhecer terras originárias apenas aos indígenas que estavam sobre a terra no ano da promulgação da Constituição, 1988. A ocupação anterior não vale. Pouco importa aos brancos togados se esses povos não estivessem sobre as terras porque tinham sido expulsos a ponta de bala. Isso não lhes toca o coração. A justiça, como qualquer outro poder instituído é representante do capital e como tal, não tem compaixão.

A terra é o elemento principal da acumulação capitalista. Foi a partir do roubo de terras, com a expulsão dos camponeses para a cidade que esse sistema começou. Jogando as famílias na cidade, sem qualquer possibilidade de manter a vida, o sistema capitalista de produção ofereceu a “liberdade” de essas pessoas venderem sua força de trabalho. Assim, lá foram elas para as fábricas, enquanto as ovelhas – que dariam a lã para os capitalistas - tomaram os campos que eram seus.

Esse processo de acumulação nunca parou. Cada vez que o capitalismo precisa se expandir, ele recorre ao roubo de terras. Porque uma família que tem um pedaço de terra, tem a condição de se manter. E é preciso tirar tudo dela, para que ela possa servir ao capital.

Esse é discurso do deputado catarinense Valdir Colatto, ferrenho defensor do agronegócio, para os povos originários. Segundo ele, “essa gente” precisa trabalhar e não ficar querendo uma terra que não é mais dela. O que ele quer é fazer o que sempre é feito: limpar as terras de gente para que elas possam ser tomadas pelo agronegócio. Aí, quem sabe, se os índios forem “bonzinhos” podem até ganhar um emprego na propriedade, desde que seja por comida e moradia, dentro do novo modelo trabalhista brasileiro. Ou seja, o que o agronegócio quer é tornar o indígena uma mãos de obra assalariada, para que dele possa ser extraída a mais-valia, coisa que hoje não acontece, porque os povos têm suas terras e têm outro modo de organizar a vida. Afinal, seriam mais de um milhão de pessoas entrando no sistema de exploração.

O estado brasileiro já fez vários experimentos com os indígenas. Tentou escravizar, não deu certo. Eles resistiram. Tentou exterminar, não deu certo. Eles sobreviveram. Tentou incorporar na sociedade branca, não deu certo. Eles são discriminados. E, ao longo de todos esses séculos as comunidades resistiram, encontrando formas de seguir vivendo, mesmo sem o território. O que move é a luta. Ainda que sem terra os povos se organizam e lutam. Muitos conquistaram o território à custa de muito sangue.
Agora, enfrentam mais um capítulo dessa acumulação selvagem. Sim, porque selvagem é o capital. Esse sistema que tudo que toca, destrói.

Por isso não há surpresa na decisão de Temer. Tornar capilar a decisão do Supremo, contaminar todas as instâncias, inocular o ódio aos indígenas como se eles fossem os responsáveis pelo atraso da nação. Tudo isso faz parte do golpe, dado para que essa nova reacomodação do capital possa se fazer. O ataque aos povos indígenas não está descolado do ataque aos trabalhadores  - com a aprovação das leis trabalhistas e da previdência. É a “sétima cavalaria” chegando para “salvar” os latifundiários, os assassinos de índios, os ladrões de terra.

Esse é um tempo difícil para os indígenas, assim como para os trabalhadores. O que está em curso é o projeto de uma classe, a dos ricos, sobre outra, a dos empobrecidos. É tempo de entender que tudo está ligado e que essa é uma guerra de classes. Tanto aqueles que estão despojados dos meios de produção, os trabalhadores, como os indígenas, que também estão nessa condição, estão sob ataque, sistemático, desde a invasão. Por isso a luta tem de ser uma só. Os trabalhadores precisam entender o mundo indígena e defendê-lo, compreender que é outro modo de vida, e os indígenas precisam compreender que os trabalhadores são seus potenciais aliados nessa batalha. Esse encontro precisa se fazer para que a luta seja unificada. Todos estão em luta contra o capital.

Por isso a batalha contra esse projeto não se esgota na queda ou saída do atual governo. Essa é uma luta que só poderá ter vitória quando os trabalhadores, os indígenas, os negros, as mulheres e todos os excluídos caminharem juntos na construção de outra sociedade, que terá ser construída na compreensão das diferenças. Enquanto isso, resistimos!

Afinal, mesmo a sétima cavalaria, que era considerada imbatível sob o comando do general Custer, um dia caiu sob o heroísmo do povo indígena que uniu as forças para combater o assassino de índios.  Cheyennes e Sioux, juntos, com Touro Sentado e Cavalo Louco à frente derrotaram Custer na batalha de Litlle Bighor. É assim: unidos, somos mais e podemos vencer.

Angola e as línguas originárias

29.05 - 2017 - Entrevista com o angolano Ezequiel Bernardo, mestrando em Sociolinguística na UFSC, sobre a situação de Angola na relação com as 22 línguas que seguem sendo faladas no país, além do português. Segundo ele, muitos são os problemas que vivem as comunidades, por não serem entendidas nos espaços institucionais e com o apagamento de suas culturas. Entrevista de Elaine Tavares.


O deboche do latifúndio tem que parar


01.05.2017 - O ataque de jagunços e fazendeiros a uma comunidade indígena do Maranhão, com requintes de crueldade, não é uma coisa isolada nesse país. A violência dos grandes fazendeiros contra as populações originárias cresce a cada dia, em número e grau, na medida em que esse grupo – incensado como “agronegócio” – vai ficando mais poderoso. Liderando uma bancada considerável no Congresso Nacional, os representantes do latifúndio têm como objetivo principal acabar com as demarcações de terras, tornando os indígenas “trabalhadores assalariados”, como – sem qualquer prurido – observou o deputado catarinense Valdir Colatto. 
Os fazendeiros, que seguem expandido as fronteiras agrícolas, no melhor estilo da acumulação primitiva – ou seja, à custa da expulsão dos pequenos agricultores e também dos indígenas – não querem saber de terras protegidas, florestas resguardadas, águas abrigadas da poluição, e muito menos de gente disposta a cuidar de tudo isso. Seu negócio é esgotar o solo com a monocultura ou com a exploração de minérios. Para essa gente, os povos originários são um atrapalho que precisa ser eliminado, de vez.
Não é sem razão que as comunidades indígenas vêm enfrentando toda essa violência. Desde que o movimento dos originários decidiu assomar em rebeldia, realizando as retomadas, a guerra está declarada. E o que são as retomadas? É a ocupação das terras originárias pelas comunidades que são as verdadeiras donas do lugar. Espaços como o Mato Grosso do Sul, por exemplo, onde os povos indígenas estão acampados em estradas, passaram a ser focos de intensa luta. As etnias originárias decidiram dar um basta aos ladrões de terra e foram tomar o que é seu. Nesse processo, enfrentam toda a fúria da jagunçagem, essa forma de banditismo tão comum no Brasil rural. Na verdade, povo pobre explorado duplamente pelos fazendeiros, que além de expulsá-los das terras, tornando-os sem terra,  os transformam em criminosos.
Outros estados como o Pará, a Bahia, o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, enfim, cada lugar onde tem povo indígena, vive seu drama. E, como não poderia deixar de ser, os fazendeiros tem o apoio da mídia comercial que os mostra como os “produtivos”, os que geram a riqueza do Brasil: “o agro é tech, o agro é pop”. Mentiras e mais mentiras. O agronegócio não é pop, ele é assassino. O agro não é produtivo, ele aposta na monocultura, no geral para fornecer matéria prima de forragem animal. Quem produz a comida que nos chega à mesa é o pequeno produtor. 
O agronegócio quer as terras indígenas. Essa é a realidade. Os fazendeiros querem se apossar de todos os territórios que já estão demarcados e os que estão para serem entregues aos povos originários. Eles não querem que os indígenas protejam seus espaços sagrados, suas terras ancestrais. Não querem que os indígenas mostrem que é possível viver sua cultura e também avançar rumo a uma sociedade justa, equitativa, solidária e distributiva. 
Os fazendeiros querem as terras indígenas e estão dispostos a eliminar cada um e cada uma, se preciso for. Por isso instauram o terror nos espaços conflagrados. E o que é pior, fazem isso sem que o poder público tome qualquer atitude. Eles correm soltos pelos pastos, arma na mão, boca babando. Muitas vezes atacam os indígenas acompanhados pelos soldados da força pública, protegidos pelo estado. 
E os indígenas que nada mais tem de seu a não ser o corpo em luta, não se entregam. Enfrentam no peito aberto os jagunços, os bandidos, a polícia. Não abrem mão de seus territórios. Porque para um povo indígena a terra não é coisa que existe para vender ou para especular. Não. Terra é lugar dos deuses, da vida, da construção coletiva da vida. O território é o cenário vivo da sua cultura, o coração pulsante de sua realidade. Sem ele não há razão para viver. 
Faz tempo demais que os ladrões de terra querem acabar com os indígenas. Começaram a agir em 1500 quando aportaram na Bahia. Tentaram de toda forma exterminar as culturas, o modo de vida, as pessoas mesmo. Não deu certo. Nos anos 60 do século passado, os ladrões de terra conseguiram fazer com que existissem apenas 180 mil almas indígenas nesse chão de tantos milhões de hectares. Quase colocaram fim em tudo.
Mas, com a força de Tupã, Ñanderu, Kuaray, as gentes originárias renasceram das cinzas. Saíram da tutela, do torpor, do medo. Já não havia mais nada a perder. Então foram se organizando e se levantando. Muitas etnias já conquistaram seus territórios, mas estão em vias de perder, com a proposta da PEC 215, a menina dos olhos dos fazendeiros. Eles querem poder para desfazer as demarcações. Mas, enquanto eles tramam nas salas acarpetadas, os povos indígenas se organizam e lutam. Fazem retomadas, resistem.
Na semana do 17 a 21, os povos indígenas estiveram em Brasília, no acampamento anual. Momento em que procuram estabelecer diálogo com os congressistas e com a população. E ocuparam a frente do Congresso com suas cores, duas danças, suas vozes, suas demandas. Mas, em vez do respeito e do encontro fraterno o que receberam? Balas, gás, paulada, desfeita. Na mídia, de novo a distorção. Um indígena com um arco diante do prédio aparecendo mais perigoso do que toda a tropa de choque da polícia militar. O mundo inteiro gritou diante disso. E no Brasil, quase ninguém. A população já domesticada pela ideia de que os índios são bárbaros e não merecem viver. Tão 1500.
Agora, com esse horror no Maranhão, quando pessoas tiveram suas mãos decepadas, observa-se certo choque. Como se a barbárie tivesse acontecido apenas ontem, com esse ato cruel. Mas, o que aconteceu no Maranhão acontece todos os dias nos cantos do Brasil, no interior da floresta, no incessante ataque do latifúndio sobre as terras indígenas e sobre os povos que lutam. Há cinco séculos os fazendeiros, protegidos pelo estado, vêm decepando membros e vidas. 
Nesse contexto de terror cada dia mais exacerbado contra os povos indígenas só há um caminho. Entender definitivamente que os indígenas têm direitos e frear o latifúndio. Esse deboche cotidiano dos grandes ladrões de terra precisa acabar. E isso só acaba quando a sociedade se levanta em uníssono, em cada cidade, cada canto, cada rua, cada casa. É preciso que o clamor chegue aos que governam e que isso impulsione mudanças. 
Sem uma luta massiva de toda a população, cada um de nós será também responsável pelas mãos decepadas, pelo suicídio de jovens, pela violação de mulheres, pela morte de crianças, pela fome de povos inteiros. 
É tempo de retribuir os povos originários pela sua generosidade. Eles acolheram os homens brancos com os braços abertos, com risos e carinhos. Receberam a violência e foram roubados. O encontro ainda não se deu. Só o saque. É hora de o encontro verdadeiramente acontecer. Que se garantam as terras, que se garantam os direitos, que se deixem os indígenas viverem em paz.  Só assim poderemos começar de novo.

Se não for assim, cada indígena que cai, tomba por nossa mão. 

Indígenas: um dia de luta

21.09.2017  - Lideranças e estudantes indígenas de várias etnias se reúnem na UFSC para afirmar a luta na defesa de seu modo de vida. O objetivo da atividade organizada por estudantes indígenas da UFSC  é dar a conhecer a realidade e lutas dos povos originários e respeito por sua cultura.