Quem matou o cacique Veron?


No segundo dia de julgamento, seis testemunhas foram ouvidas


Antes de clarear o dia quase todos os Guarani Kaiowá já estão de pé. Alguns tomando chimarrão e arrumando a mala com os poucos pertences trazidos. Hora de fazer o ritual de despedida na aldeia dos parentes Guarani Mbyá no Pico do Jaraguá. No ônibus é o momento de fazer as pinturas no rosto e encher-se de coragem, força e alegria para mais um duro dia de julgamento.


“Estamos aqui pedindo justiça pelo assassinato do cacique Marcos Verón - Povos Indígenas Guarani Kaiowá” são os dizeres das faixas que vão sendo colocadas e seguradas pelos membros da delegação indígena. Alguns repórteres já estão apostos e vão registrando o início de mais uma jornada.


No decorrer do segundo dia do julgamento os trabalhos fluíram com bastante tranqüilidade. Todas as seis vítimas ouvidas testemunharam com muita precisão e detalhes os acontecimentos ocorridos entre os dias 11 e 13 de janeiro de 2003. Impressiona como, depois de nove anos, as testemunhas se referiam aos fatos como se “tivessem ocorrido ontem”, afirma Adelcia Martins Verón, cujo depoimento foi em Guarani com o tradutor Tonico Benites.


Foram mais de três horas em que ela não apenas narrou o que ocorreu naqueles dias como respondeu a todas as indagações: as dos procuradores da acusação e dos advogados de defesa. O momento de maior emoção se deu quando a depoente chorou ao narrar o ataque dos fazendeiros e seus capatazes, que “fortemente armados”, agrediram brutalmente os Kaiowá acampados.


A platéia ora cheia - ora esvaziada, fez parte do cenário. Do lado esquerdo, os Kaiowá tiveram presença permanente. À direita, os familiares dos réus e dos fazendeiros. Permeados nessa platéia estavam jornalistas e estudantes de direito, os quais se mostraram sensíveis aos parentes e testemunhas Kaiowá.

Atrás dos procuradores de acusação e dos advogados de defesa estão duas grandes fotografias de Marcos Verón, uma com pintura e outra sem, que evidenciam o rosto e o olhar marcantes. As testemunhas depunham de frente ao retrato do cacique. Do lado das testemunhas, sentadas, estavam os três réus Carlos, Jorge e Estevão.


Um momento de tensão para as testemunhas foi quando a juíza Federal Paula Mantovani e os procuradores de acusação pediam que olhassem para o lado esquerdo e reconhecessem os acusados do assassinato. Algumas pessoas, no fundo da platéia, até mesmo se levantavam para acompanhar qual seria a resposta. Outros, comentavam o olhar de penumbra dos advogados de defesa.


No público, destacou-se a presença de Antônio Mendonça, do povo Xucuru de Ororubá que esteve em todos os momentos, desde o primeiro dia de julgamento. Ainda, no segundo dia, um grande grupo do povo Pankararé, acrescido da cacique Alaíde foram prestar solidariedade aos parentes. Alaíde estava comovida com a situação, inclusive por se lembrar de seu pai, Ângelo Pereira Xavier que na década de 1980 também foi violentamente assassinato em sua região, na Bahia.

Outra testemunha foi Geisabel Verón, filha de Marcos Verón, que relatou: “eu estava grávida e eles riam de nós”. Durante sua fala, ela olhou para os réus e apontou Jorge e Estevão como participantes do crime.


O jovem Reginaldo Verón, neto do cacique assassinado, chorou ao depor a cena da violência ocorrida com a comunidade e com o seu avô. Ele, atingido por uma bala relatou “até hoje sinto dor na perna. Eu era um atleta e acabaram com a minha vida. Hoje, mesmo sendo jovem eu não posso sequer praticar esporte porque a bala está alojada dentro do meu corpo”. No momento em que foi solicitado pela juíza para identificar os réus ele disse desconhecer. Depois, ao ser indagado pelo procurador de acusação se sentia medo, por ocasião do reconhecimento dos réus, ele disse: “Sim, estou com medo”. Hoje, terceiro dia estão ouvidas importantes testemunhas de acusação, iniciando-se a seguir a oitiva das testemunhas de defesa.


A cada depoimento vão ficando mais claras as circunstâncias e os autores da violência praticada naquela madrugada do dia 12 de janeiro de 2003, com vários feridos, espancados e a morte do cacique Veron. Os representantes indígenas Kaiowá Guarani seguem tranqüilos e confiantes acompanhando atentamente o transcorrer do julgamento, como afirma Adelcia: “ A terra clama por justiça. A verdade vai prevalecer”!


Por Egon Heck e Vanessa Ramos - Cimi

São Paulo, 23 de fevereiro de 2011

Quem precisa de avatar?

Pajerama. Belíssimo trabalho de ficção criado por Leonardo Cadaval que nos faz refletir sobre as diferenças entre indígenas e não-indígenas com relação às formas de interagir com o ambiente.


Governo recebe comissão de ameaçados, mas diz que, sobre Belo Monte, “fará o que tem que ser feito”



Após manifestação que reuniu cerca 300 indígenas, ribeirinhos e agricultores ameaçados pela hidrelétrica de Belo Monte na manhã desta terça, 8, uma comissão de 10 lideranças indígenas e de ribeirinhos da Bacia do Xingu foram recebidos em audiência pelo ministro da Secretaria Geral da Presidencia em exercício, Rogério Sotilli. Sotilli substitui Gilberto Carvalho, que participa do Fórum Social Mundial no Senegal.

O cacique cayapó Raoni Metuktire, que afirmou estar na audiência enquanto chefe maior da populações indígenas da Bacia do Xingu e exigiu ser tratado de “igual para igual, porque aqui todos somos autoridades”, fez um relato duro dos impactos de grandes obras sobre a população indígena e sobre o meio ambiente, e pediu uma audiência com a presidente Dilma Rousseff. Os kayapós também exigiram a demissão imediata do presidente da FUNAI, Marcio Meira.

Em seguida, Sotilli recebeu o resultado final das petições contra Belo Monte, que totalizaram 604 mil assinaturas, e o documento de denúncias e reivindicações do Movimento Xingu Vivo para Sempre, que, alem de exigir o cancelamento de Belo Monte, enfatizou a demanda de participação da sociedade civil nos processos de definição da política energética nacional.

Em resposta aos questionamentos da comitiva, Sotilli disse que se “sente muito triste” ao ouvir as críticas ao governo, e reafirmou que a presidente Dilma buscará aprofundar a interlocução com os movimentos sociais.

Sobre Belo Monte, no entanto, o ministro em exercício afirmou que “Dilma fará o que tem que ser feito”, mas com diálogo, argumentando que a presidente tem que “pensar o Brasil como um todo”, incluindo toda a nação. “Podemos não chegar a um consenso, mas temos que construir o diálogo. Esse compromisso eu assumo com vocês”, afirmou Sotilli.

Sobre o documento de reivindicações, ele garantiu às lideranças que fará o encaminhamento, juntamente com o ministro Gilberto Carvalho, à presidente Dilma. “Vou levar o relato deste encontro para Dilma, que foi o mais importante para mim até agora nesta gestão”, disse Sotilli. No tocante ao presidente da Funai, Marcio Meira, ele afirmou que a demanda será encaminhada ao Ministério da Justiça.
Outro encaminhamento da secretaria Geral da Presidencia foi a proposta de constituição de um Grupo de Trabalho composto pelo governo e pela Aliança dos Rios da Amazônia, coalizão que reúne os movimentos sociais das bacias dos rios Xingu, Tapajós, Teles Pires e Madeira, onde já existem obras ou onde o governo planeja a construção de novas usinas.

Frustração e convocação para resistência

Apesar de não esperarem uma grande mudança na postura do governo em relação à Belo Monte, as lideranças sociais saíram da audiência frustradas. “O governo diz que quer dialogar, mas não aceita mudar uma vírgula do seu projeto. Que diálogo é esse?”, questionou Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo para Sempre. Segundo ela, não foi dada nenhuma resposta aos questionamentos levantados pelos movimentos.

“Agora, o negócio é irmos para a rua. Porque não há nada que os governos temam mais do que povo na rua”, afirmou Antonia na assembléia com os manifestantes após o termino da audiência.

Veja o documento na íntegra:

http://www.xinguvivo.org.br/wp-content/uploads/2010/10/carta_Dilma-versao_final_08fev11.pdf

El sembrador de la água

Por Jorge Quizhpe - Ecuador

La mañana soleada y calurosa del 24 de enero recibo la llamada que con voz entrecortada me dice; se murió el Lucho Uzhca, sin respuesta y en silencio se me viene a la mente tantos caminos, vividos, compartidos, tantos sueños…

Recuerdo entonces al amigo, compañero, campesino, al dirigente, al soñador de la patria nueva, al militante revolucionario, si, y veo su rostro sudoroso luego de la lucha callejera contra el paquetazo económico, y veo su rostro serio después del cierre de la vía por la defensa del agua, y lo miro delante de la multitud de campesinos de San Juan dirigiendo el desalojo a los invasores extranjeros mineros que han profanado el cerro del Pishi, cerro sagrado donde viven sus muertos, donde se siembra el agua para los habitantes de San Juan, y le veo detenido en el patrullero de las fuerzas represivas del gobierno de la “revolución ciudadana” gritando adelante compañeros el agua no se vende se defiende, y le miro también formando a los comunicadores populares, alfabetizando, organizando a su comunidad para defender el agua, armando la fiesta de la Siembra, preocupado que la chicha y el cuy no falte para nadie…

Escucho su voz serena, firme, que nos explica el concepto campesino de sembrar el agua, el agua es la sangre de la tierra, y ella nace, crece, se reproduce y también muere, y como todo ser vivo necesita de cuidados, amor… nos decía, y su voz rebelde sigo escuchando; somos guerreros, somos los herederos de nuestras abuelas y abuelos, ellos eran Payguaras, y Payguara quiere decir guerreros, allá en el cerro del Pishi están nuestras abuelas, nuestros abuelos y no podemos fallarles… cuando se dirigía en alguna ocasión a los comuneros de San Juan…

Y como no recordar también aquellas madrugadas de bohemia en el cuartito de grabación, en las calles del pueblito de San Juan, cantando a Rosita Paredes la mujer comunista, a Milton Reyes ejemplo de lucha de los revolucionarios ecuatorianos, y por su puesto como no revivir aquella madrugada cuando junto con los músicos indígenas del Cañar, la Banda del pueblo de Chusquin, y un grupo de amigos de Cuenca, dejamos sin cerveza a toda la comunidad de San Juan.

Así te recuerdo amigo combatiente Payguara, y en estos momentos se viene a mi mente las palabras del dirigente asesinado Jaime Hurtado González; que ganas por frenar la muerte diaria, para hacer interminable la lucha por la vida.

Hasta siempre sembrador del agua Payguara.