População do noroeste da argentina luta contra a mineração



17 de Fevereiro de 2019

A ponta noroeste da Argentina, na província de Jujuy, é uma das regiões mais bonitas dessa grande américa baixa. Andar por aqueles espaços, eivados de cactos gigantes, silêncios, terras avermelhadas, desertos, misturados com a brancura das salinas e o azul dos lagos que misteriosamente assomam no meio do nada é uma experiência abissal. Aquele é um caminho de pura beleza para quem vai em direção aos Andes. Lá vive uma gente quieta, de poucas palavras, mas de coração gigante. Na pequena Susques, por exemplo, a maioria do povo vive da salina, um espaço gigantesco de onde se tira o sal. E, apesar do trabalho duro, há uma relação visceral das gentes com aquela natureza rude, árida e ao mesmo tempo assombrosamente linda. É dali que desde sempre as famílias tiram seu sustento e é ali que sabem viver, apesar das dificuldades.

Pois nos últimos dias, perto de 30 comunidades da região das salinas e da lagoa Guayatayoc, que assoma em beleza logo depois do salar, na região de Purmamarca, estão em luta. O motivo é o mesmo que tem perturbado a vida de milhões de pessoas no mundo e principalmente na América Latina: a mineração. Os moradores, da etnia Kolla, há tempos vêm se manifestando contra as intenções governamentais de instalar a exploração mineira nas salinas. Denunciam que virão grandes danos ambientais, e que toda a vida vai mudar, afetando a flora, a fauna e as nascentes de água doce que ficam no meio da lagoa.

Mas, o governo argentino quer explorar o lítio, um dos minerais mais importantes no momento, com o qual se faz, por exemplo, as baterias dos celulares. E, sem consultar as comunidades decidiu abrir licitação para lotear o espaço das salinas e também da lagoa. Os moradores reagiram, realizando uma assembleia comunitária no dia 12 de fevereiro, exigindo do governo o respeito à decisão das comunidades que já declararam a Bacia das Salinas Grandes  e a Lagoa Guayatayoc como “patrimônio  natural ancestral dos povos originários” e também como “zona livre da megamineração, mineração do lítico o de qualquer outro projeto extrativo que venha causar danos a Pachamama”.

O governo fez-se surdo aos ditames das comunidades e abriu licitação para prospecção  geológica, exploração e realização do projeto mineiro nas Salinas Grandes, Laguna Guayatayoc e no Salar de Jama, uma formação que se constituiu há 14 mil anos e que é fonte de vida para milhares de pessoas que vivem na região. Quem conhece a região sabe o que isso significa. É simplesmente quebrar a harmonia e a beleza de um dos mais belos ecossistemas da américa do sul. Para os povos originários a Pachamama é muito mais do que um pedaço de terra que pode ser vendido ou comprado. Pachamama é dimensão de espaço/tempo, é deusa, é mãe. A mineração é um corpo estranho ao equilíbrio e provoca uma profunda transformação no modo de vida de todos.

Por conta disso as comunidades se levantaram em rebelião e estão realizando paralizações na estrada geral visando discutir a questão. Na sexta feira o engenheiro que comanda a estatal responsável pela entrega do lugar à exploração do lítio esteve conversando com os manifestantes que acampam na estrada. Ele, bem como outros membros do governo, vinha propor realizar uma consulta, o que elevou ainda mais os ânimos. Ora, consultar depois de licitar? Consultar depois de decidir?

Os moradores foram claros: não querem consulta, não querem conversa e não querem a mineração nas suas terras.  “Não nos interessa o lítio. Nossos filhos não vão comer lítio. Eles comem o que dá a laguna, o que dá a terra, o que dá o sal”. Decidiram então permanecer acampados na estrada até o dia 20 quando foi prometida uma reunião com o próprio governador de Jujuy, Gerardo Morales. Até lá as paralisações na estrada continuam. Eles insistem para que o o governo anule a abertura da licitação e que sejam retirados todos os projetos de mineração para a área.

Enquanto isso, entidades e comunidades de todo o mundo se manifestam contra a mineração nos salares, em solidariedade ao povo kolla e na defesa do modo de vida das comunidades da região.


Nenhum comentário: