No Peru, Wampis declaram o primeiro governo autônomo indígena


Numa decisão inédita, o povo Wampis da Amazônia peruana se reúne e decide criar seu próprio governo, de maneira autônoma, ainda que não renuncie a cidadania peruana. Frequentemente desrespeitados pelo governo, que não cumpre o que determina a Constituição, essa deliberação obedece a uma longa luta dessas comunidades na defesa de seu território e cultura.

Segundo informações enviadas por líderes dos wampis, esta iniciativa “surge para defender o território ancestral de 1,3 milhões de hectares de bosques tropicais e para cumprir os compromissos climáticos assumidos pelo governo peruano”.

A decisão de confrontar o governo foi tomada num domingo quando se reuniram 300 representantes de 85 comunidades. “Ainda seremos cidadãos peruanos, mas essa unidade nos dará a força política que necessitamos para explicar nossa visão ao mundo e aos Estados e empresas que somente veem ouro e petróleo em nossos rios e bosques”.

Os wampis afirmam que seu novo estatuto de povo livre e autônomo se baseia nas obrigações do estado peruano que precisa respeitar os direitos e a autonomia dos povos e nações indígenas, entre elas a que requer que qualquer atividade que possa afetar seus territórios conte com o consentimento prévio, livre e informado de toda a nação. “Apesar do compromisso do governo para reduzir o desmatamento e garantir a segurança jurídica dos territórios indígenas, o Estado segue entregando os territórios a empresas petroleiras, florestais e de produção de azeite sem qualquer consulta”.

As lideranças afirmam que enquanto o governo do Peru e outros governantes estão em Paris (na conferência COP21) falando sobre como vão proteger os bosques tropicais e reduzir a contaminação, os wampis estão realizando ações concretas no seu território para contribuir com a meta global. Eles reconhecem e reafirmam que seu território é integral e estabelecem os mecanismos para seu uso e administração.  “O território não pode ser dividido por comunidades, nem a água, o bosque, o subsolo. É tudo uma coisa só. Ter um governo autônomo nos servirá como ferramenta de defesa para nosso território que ainda não está titulado”.

Os wampis indicam também que esse governo próprio servirá para que sejam enfrentadas as diversas ameaças que os rodeiam, como a invasão das comunidades por colonos bem como a demarcação de um lote petroleiro e uma grande represa na região de Manseriche.

Os wampis asseguram que a declaração formal de seu governo é resultado de um longo processo, de vários anos, os quais estiveram acompanhados de estudos antropológicos, jurídicos e biológicos. “Estamos muito felizes por termos alcançado nosso sonho, reunimos todas as nossas comunidades dos rios Kankaim e Kanus para unir e defender nosso território, agora seremos uma unidade."

Uma rádio para expressar a voz wampis

Entre as primeiras ações do governo autônomo foi acordado concretizar um dos sonhos da nação Wampis: instalar em seu território a primeira rádio indígena da Amazônia no país, visando assim difundir sua cultura, suas demandas e suas propostas. Para alcançar este sonho, várias ações foram realizadas durante meses. No início de junho, uma primeira viagem foi feita para instalar a base da antena para a estação de rádio na comunidade nativa de Soledad.

Com o apoio da própria comunidade e de suas autoridades, foi possível transportar o material de construção e tudo foi se concretizando. Depois, graças a uma parceria solidária, uma antena, o transmissor e outros equipamentos e implementos foram adquiridos para equipar a cabine de transmissão. Agora, para poder concluir com este projeto, é necessário fazer uma segunda viagem para trazer novos materiais e implementar um sistema alternativo de energia baseado em painéis solares para fornecer energia segura à estação de rádio.

Por esta razão, a nação Wampis organizou e criou uma conta bancária para receber contribuições de solidariedade, e assim poder realizar este desejo de exercer o seu direito de se comunicar.
Quem quiser ajudar o povo Wampis pode fazer doações nessa conta: Dólar Conta Interbank: Código 0463089043411 interbancário: 003-046- 013089043411-06

Quem são os Wampis

Os Wampis também são conhecidos com o nome "huambisa". Eles preferem ser chamados de wampis ou shuar. Contam que o nome wampis vem de uma espécie de peixe que, de acordo com o relato do povo, tem a qualidade de escapar facilmente de seus predadores. Sua história está intimamente ligada com o povo awajún, com quem compartilham uma tradição histórica e cultural. Além disso, seus idiomas pertencem à mesma família linguística (Jíbaro).

Como os awajún, os wampis são conhecidos por sua habilidade como guerreiros e pela forte resistência que têm frente às distintas populações que invadem seu território. Esses dois povos resistiram pacificamente contra as leis ditadas por Alan García para arrebatar seus territórios, e foram atacados militarmente pelo céu e pela terra no dia cinco de junho de 2009. A justiça do sistema processou as vítimas e não os atacantes dirigidos por Alan García, Yehude Simon e Mercedes Cabanillas.

O povo wampis vive principalmente na zona norte dos departamentos de Amazonas e Loreto, perto da fronteira com o Equador. A população das comunidades wampis está estimada em 10.177 pessoas.
A resistência dos wampis não é de hoje, historicamente sua força e luta influenciaram o fracasso das missões em 1704, quando os jesuítas foram expulsos do território pelas famílias Jíbaro. Anos depois, em 1769, os padres foram expulsos de todo o território da Amazônia peruana.

Em 1977, os wampis criaram,  junto com os awajún, o Conselho Aguaruna e Huambisa (CAH). Esta foi a primeira organização indígena amazônica com caráter regional e interétnico, o que significou muito para o fortalecimento institucional e identitário destes povos. A força desta e de outras organizações regionais possibilitou aos awajún e aos wampis aceder e controlar politicamente algumas alcadías (prefeituras) em Condorcanqui (MINCU 2015).

Fuente: Wampis “huambisa” Lucha Indígena N° 122 . Lima, Perú.

É de Roraima a primeira mulher indígena no Congresso Nacional



Até ontem, sete de outubro de 2018, o lendário Mário Juruna, nascido na aldeia Xavante Namakura, no estado do Mato Grosso, constava como o primeiro e único indígena brasileiro a ter um mandato federal.

Ele foi eleito em 1982, pelo PDT, partido que tinha como principal liderança Leonel Brizola. Juruna ficou famoso nos anos 70 quando percorria os gabinetes da Fundação Nacional do Índio, em Brasília, lutando pela demarcação de terra para seus parentes. Ele andava sempre com um gravador pendurado, porque necessitava gravar tudo os “os brancos” diziam, porque, como afirmava, era muito comum não cumprirem a palavra. Sua figura ganhou força nacional e em 1982 saiu candidato pelo estado do Rio de Janeiro, conquistando 31 mil votos. É dele o projeto que criou a Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional, fato que acabou levando as questões indígenas a terem um reconhecimento formal.

Mas, desde ontem outro nome indígena figurará nos registros do Congresso Nacional. Desta vez, uma mulher, da etnia Wapichana: a advogada Joênia Wapichana, eleita pelo estado de Roraima como deputada federal, na sigla REDE. Ela recebeu perto de nove mil votos. Joênia tem 43 anos e também foi a primeira indígena do Brasil a exercer a profissão de advogada. Formou-se em Direito na Universidade Federal de Roraima, em 1997, e na University of Arizona, nos Estados Unidos.

Joênia saiu de sua aldeia quando tinha oito anos, indo viver com a mãe em Boa Vista. Lá fez o ensino médio e trabalhou num escritório de contabilidade enquanto cursava a faculdade de Direito. Teve participação ativa na demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e na defesa dos direitos indígenas da região norte do país. Sua ação lhe rendeu prêmios e condecorações.

Agora, na Câmara Federal, enfrentando uma das formações mais conservadoras e reacionárias dos últimos tempos, terá uma tarefa gigantesca. Ser a representante de mais de um milhão de pessoas, de variadas etnias, que conformam os povos originários do Brasil.

A luta dos povos indígenas no Brasil tem sofrido fortes revezes com a violência estrutural sendo cada dia mais reforçada, além da tentativa de reverter demarcações já realizadas e impedir novas demarcações. As bancadas da bala e do boi têm sido poderosas no lobby contra os indígenas e insistem em trazer para dentro do Congresso a decisão sobre o tema. Joânia terá sob seus ombros a tarefa de, institucionalmente, comandar a luta contra o retrocesso no que diz respeito às questões indígenas. Enfrentará não apenas a força do latifúndio, mas também a voracidade do capital, ainda mais fortalecido pela constituição de uma maioria significativa no Congresso Nacional.