Darcy Ribeiro e os povos indígenas: acertos e equívocos


Darcy Ribeiro sempre foi um apaixonado pela causa indígena. E mais, era também apaixonado por Marechal Rondon, aquele que no início do século XX decidiu dedicar sua vida para contatar os indígenas e trazê-los para a o mundo “civilizado” sem, contudo, disparar um tiro. Rondon fugia do perfil dos que, antes dele, trataram de “conquistar” os povos originários pela força das armas, provocando a morte e a destruição de comunidades inteiras. Ele era explícito: “morrer talvez, matar, nunca”. Compartilhava de uma fé positivista de que era possível a vida harmoniosa entre os brancos e os indígenas, desde que esses últimos aceitassem as regras da chamada civilização. E, apesar de sua postura paternalista e conservadora, Rondon conseguiu adentrar no Brasil profundo, fazendo contato com os indígenas, estancando o processo de assassinato e dizimação das gentes originárias.

No início do século XX os povos originários da região da Amazônia, por exemplo, estavam praticamente nas mesmas condições que no momento do descobrimento e o avanço dos brancos era feito com muita violência, visando a exploração dos seringais. Naqueles dias eles sequestravam as mulheres e crianças, obrigando os homens a trabalhar na extração da borracha. Não havia preocupação com a posse da terra, apenas com os seringais. As hordas dos brancos se moviam pela floresta destruindo as comunidades, eliminando o modo de vida indígena, prostituindo mulheres e dispersado os homens pelos vários campos de colheita. O processo de dizimação e violência estava acabando com os indígenas quando finalmente o ciclo da borracha colapsou. Segundo Darcy, foi a salvação dos indígenas da região.

Já na região do sertão o foco era mesmo a posse da terra. A intenção dos invasores era a expulsão dos indígenas para que pudesse vingar a criação de gado. Poucas comunidades lograram sobreviver aos massacres e tentativas de “abrasileiramento”. Resistiam alguns núcleos de Potiguara, Kuruxi, Fulniô, mas já bastante mestiçados e sem terra. Aonde chegavam os brasileiros, os indígenas eram escorraçados. Os Timbiras, no Maranhão resistiram por anos, em longas guerras, mas acabaram se entregando no início do século XX para não perecerem totalmente. Em todos esses lugares, aonde os indígenas iam depondo as armas, o processo de aldeamento se dava a partir do engano, da violência e da destruição. Aonde havia missionários, as crianças eram tiradas das famílias e criadas como se fossem brancas, para deixar de serem índias e se integrarem à sociedade.

Depois de dominar todo o espaço da floresta atlântica a colonização foi entrando para o interior, expandindo o cultivo do algodão e do café. A tática era igualmente cruel: envenenavam a água e deixavam coisas contaminadas com varíola. Milhares de indígenas morreram nessas investidas desumanas. E quando chegaram os imigrantes, começou a caçada aos chamados “bugres”, que era como eles nominavam aqueles que eram os verdadeiros donos das terras. Assassinar índios era quase um esporte.

Pois foi nesse cenário de horror que surgiu a figura do Marechal Rondon que, com sua coluna, adentrava nos territórios para garantir a construção das linhas do telégrafo. Ele via como os brancos escravizavam e brutalizavam os indígenas e não se conformava. Era um adepto do positivismo e acreditava piamente no progresso. Isso deu a ele a razão para criar uma comissão capaz de entrar na floresta, fazer contato e trazer os indígenas para o mundo branco. Confiava que todos poderiam viver juntos e em paz. Foi assim que ele passou oito anos contatando índios. Sua proposta era garantir espaços de terra demarcada e abrir escolas para que as crianças indígenas pudessem ser alfabetizadas. Foi o trabalho dele, sempre feito na paz, sem que qualquer índio fosse ferido ou machucado, que deu origem ao Serviço de Proteção ao Índio, órgão do governo criado em 1910.

Naqueles dias concorriam duas correntes de pensamento sobre o trato com os indígenas: a catequese e a proteção. O campo da catequese era dominado pela igreja. Os padres recebiam verbas para trabalhar com os índios, mas, segundo Darcy, não ajudavam em nada. As missões queriam mesmo era mudar os costumes, levando-os a assumir uma fé que lhes era incognoscível. E, se não assumissem, também era trucidados.

A nova política, de proteção, coube aos positivistas da turma de Rondon que acreditavam que com os meios certos proporcionados os indígenas evoluiriam e se integrariam a nação. O exército então cumpria a função de, pacificamente, atrair os povos originários e ao mesmo tempo ir abrindo as fronteiras para a entrada da “civilização”. O SPI buscava juntar o índio com o branco, mas garantindo a eles o direito de viverem a sua cultura, diferenciando-se assim dos padres que impunham sua fé a ferro e fogo, como já fora no começo da invasão.

Assim, com a chegada de Rondon e sua forma pacífica de trazer os indígenas para os aldeamentos, as terras foram sendo “limpas” e as fronteiras agrícolas foram se expandindo. O que num primeiro momento parecia ser uma coisa boa, acabou mostrando-se igualmente nocivo, pois, ainda que aldeados sem violência, as comunidades, subtraídas de seu território e de sua forma original de viver iam perdendo a alegria e definhavam, pela fome, doença e desengano. (RIBEIRO, 1970, p.187).

Quando Darcy Ribeiro encontra Rondon ele já está no fim da vida, inclusive repensando sua política desbravadora e pacificadora. Nos anos 50 e 60, quando praticamente todos os indígenas já tinham sido contatados e aldeados, o que se via era a continuidade da morte e da desintegração. A chamada “civilização” nunca conseguiu, ou não quis, integrar, de fato, os indígenas. Confinados nas reservas, eles seguiam morrendo por doenças ou pela fome, e os que conseguiam ingressar no mundo dos não-índios jamais lograram ser vistos como brasileiros. Índios. Sempre índios, com toda a carga de preconceito e discriminação que a palavra carrega.

É nesse período que Darcy Ribeiro escreve sua obra mais importante sobre o tema indígena: “Os índios e a Civilização”, que veio a lume no ano de 1970, fruto de uma profunda pesquisa nos arquivos do então Serviço de Proteção ao Índio, criado por Rondon. Nele, Darcy defende algumas teses que destoam de tudo o que já se havia dito até então. A primeira delas, e a mais importante, é a de que diante de todo o processo de tentativa de integração do indígena ao mundo branco jamais houve aculturação ou assimilação. O que houve foi a transfiguração étnica.

Darcy aponta que naquele então havia duas atitudes consagradas no trato com os indígenas: a romântica, que pretendia deixar o índio intocado, e a integradora, que acreditava ser possível ainda assimilar o índio na sociedade brasileira. Para ele, ficava evidente que nem uma nem outra forma era possível na conjuntura da segunda metade do século 20. Reconhece que o território é o elemento mais importante para a sobrevivência do indígena e também pontua que em 50 anos de ação do SPI, os seus integrantes jamais chegaram a compreender os elementos culturais que permeiam a vida dos povos originários. Essas duas conclusões de Darcy são as que abrem o caminho para o trabalho que empreendemos que é justamente dar a conhecer à sociedade brasileira o significado profundo do território e sua relação com a cosmovisão originária. Sem essa compreensão é impossível um trabalho realmente sério junto aos indígenas, porque sempre partirá de uma postura colonialista, tida como superior.

O que Darcy Ribeiro vai trazer de novidade no seu trabalho é justamente a descrição sobre como os povos originários foram se colocando na vida nacional e para isso usa como conceito principal nos seus estudos, o da transfiguração étnica. Ou seja: os indígenas nem foram assimilados, nem foram destruídos, eles se transfiguraram para resistir a uma cultura invasora, violenta e desagregadora.

No livro, o antropólogo mostra que, no Brasil, as diversas etnias que se espalhavam pelo território foram alcançadas por uma poderosa etnia em expansão (a branca) e nesse conflito, cada uma das comunidades reagiu de forma diferente. Algumas lutaram, resistindo, outras fugiram, outras se deixaram “civilizar”. Cada uma delas buscou sobreviver definindo uma estratégia de acordo com os conselhos de seus anciões. A isso ele dá o nome de transfiguração.

Essa transfiguração étnica se dá em dois níveis. Um deles é o do enfrentamento entre duas populações diferentes que se mesclam e se contagiam, realizando verdadeiramente um encontro. E o outro, que marca a acontecida no Brasil, é quando há o enfrentamento entre sociedades evolutivamente defasadas, mas com coesão interna, em que a mais avançada acaba dominando. Nesse caso, não há encontro cultural, mas controle.

O processo de ocupação do território promovido pelos portugueses invasores foi violento. E eles, ao se reproduzirem como sociedade dominante, foram se consolidando como uma sociedade nacional agindo sobre as comunidades étnicas e mudando todo o seu modo de vida. Havia muitas diferenças entre as próprias comunidades indígenas. Algumas estavam no estágio pré-agrícola, outras já praticavam a agricultura. Umas vivam de maneira nômade, outras mais sedentárias. E não houve uma preocupação em entender o modo de vida de cada etnia. O que houve foi a dominação e a tentativa de aculturamento. Fragmentados e sem tradição de unidade, as comunidades foram encontrando elas mesmas o seu jeito de resistir. De qualquer forma, a vida já não se organizava como antes. Com os aldeamentos, o território é retirado, a lógica do parentesco se desfaz e os povos originários precisam encontrar maneiras de se adaptar a nova realidade.

Mesmo as populações que já praticavam a agricultura não conseguiram formar uma estrutura urbana nos lugares para onde foram removidos e acabaram se dispersando, muitas vezes criando novas micro etnias. Os indígenas vão se transformando, no dizer de Darcy, em “índios genéricos”, cada vez mais parecidos uns com os outros, sem respostas para o processo de dizimação cultural. Ele lembra que a Confederação dos Tamoios foi um momento importante de união de várias etnias que, inclusive, eram inimigas, mas ainda assim não foi forte o suficiente para impor um sistema organizativo comum.

A maneira como as comunidades conseguiram sobreviver foi a partir da transfiguração, já que isso permitia que atuassem como brancos sem perder as singularidades étnicas ou a identidade.

No início do século XX, das 230 etnias encontradas, apenas 105 conseguiam ainda manter seu patrimônio cultural, 57 delas com contatos intermitentes e 29 integradas ao mundo branco. As demais tinham sucumbido ao processo de violência da colonização. Em 1957, quando Darcy realiza sua pesquisa, o quadro já é bem outro. Com a ação humanitária promovida pelo SPI – ainda sob as normas de Rondon – as mudanças aconteciam de forma mais lenta e a proteção das comunidades nas chamadas reservas permitia algumas vivências comunitárias. Ainda assim 88 etnias já tinham sido extintas.

Infelizmente para Rondon, muitas dessas extinções só foram possíveis por conta da abertura das fronteiras realizadas por seu exército. Para se ter uma ideia, 10 anos depois de terem aberto os caminhos para a área telegráfica, 18 povos simplesmente se extinguiram (RIBEIRO, 1970, p.245). Já os que sobreviveram, confinados em áreas longe de seus espaços tradicionais, foram mudando, perdendo a língua, misturando com o português, misturando-se aos brancos e gerando filhos mestiços. Houve, no entender de Darcy, um processo de enfraquecimento bem grande.

O grupo Xokleng, em Santa Catarina, por exemplo, passou de 1800 pessoas para apenas 200, logo depois da chamada pacificação.

Com esse enfraquecimento e o crescente poder dos brancos, os indígenas foram perdendo também o seu orgulho. Nem mesmo as festas conseguiam realizar, pois, com o contato, qualquer reunião na qual juntasse muita gente, acabava gestando gripes e outras doenças mortíferas. A subordinação foi a forma que encontraram para sobreviver, ainda assim em números quase próximos da extinção. Darcy observou que, isoladas, as comunidades tinham um equilíbrio entre o sistema tecnológico, as condições ecológicas e as práticas de contenção demográfica. Conhecendo a natureza e comungando com ela a vida, os indígenas só se multiplicavam de maneira sustentável. Mas, nas aldeias, esse contato simbiótico com a natureza acabou se perdendo. Já não tinham mais controle do território e não sabiam mais como se comportar. A vida nas aldeias constituídas pelos brancos mudou completamente toda a estrutura social das etnias.

Nas estruturas brancas as comunidades indígenas também passaram a ter contato com outros instrumentos de trabalho como facas, machados, facões, elementos que igualmente alteraram o modo de vida. A introdução da cachaça, sibilinamente imiscuída pelos brancos, serviu como isca e agradou aos indígenas, causando estragos gigantescos, que perduram até hoje. O sal, a gordura e o açúcar igualmente serviram como potencializadores de doenças. Muitos dos costumes que tinham foram sendo abandonados porque os brancos consideravam coisas de “bárbaros”. A prática de comer gafanhotos, por exemplo, se perdeu. As próprias casas foram sendo modificadas, porque os padres e os agentes do governo consideravam-nas muito promíscuas. O massacre cultural não foi menor do que o provocado pela força e pelas armas.

Os problemas se agigantaram porque todas as novas tecnologias foram colocadas de maneira autoritária, sem que as comunidades tivessem tempo para conhecer e incorporar naturalmente, atualizando-se historicamente. Na verdade, os indígenas acabaram dependentes das novas técnicas, sem incorporá-las de verdade, gerando um trauma e mudando completamente o modo de vida.

Aldeados e submetidos ao controle do governo, os indígenas também se viram enredados numa outra economia, nacional, completamente diferente da tribal, a qual estavam acostumados. Passaram a usar o dinheiro, o que os levou a novas relações subordinadas à economia mercantil. Foi um engajamento compulsório, no dizer de Darcy. E aí, o problema não foi o de passar de um tipo de economia, mais simples, à outra, mais complexa, mas sim a forma como aconteceu a passagem. Foi um salto, da vida cooperativa nas aldeias para a economia do barracão e do trabalho capitalista. Assim, para os indígenas, ser “civilizado” passou a ser sinônimo de fome e sofrimento.

Não bastasse isso, o indígena que decidiu ir para o mundo branco tampouco conseguiu ser aceito. Levava a “marca” e sempre era apontado como índio. Todo o processo de colonização o levou ao desenraizamento sem oferecer alternativa real de participação na sociedade brasileira. A única possibilidade era a integração, mas ela não acontecia e ainda não acontece. Toda a política de expansão, inclusive a levada por Rondon, tinha como meta final a “limpeza” das terras, tirando os humanos para colocar rebanhos ou grãos. Foi a acumulação primitiva, tal como mostrou Marx na Inglaterra, se fazendo em terras de Pindorama. Só que havia uma diferença abissal: boa parte dos indígenas não tinha a experiência do agricultor e tampouco foi recrutada para fábricas. Ou seja, sua situação ficou ainda pior do que a dos brancos pobres no início do capitalismo. Aldeados em reservas eles tiveram de aprender a plantar, sob um regime de força, sem assimilar os novos instrumentos de trabalho de maneira natural.

Darcy Ribeiro pontifica: “[...] é o caráter capitalista do sistema econômico vigente e a ordenação sócio-política a ele correspondente que lança a sociedade nacional contra as etnias tribais” (RIBEIRO, 1970, p.371). O capitalismo arrasa tudo, mas fundamentalmente imprime um profundo processo de destruição e desenraizamento junto aos povos originários.

Por conta desse avanço do capitalismo na realidade mesma dos indígenas, Darcy aponta como vai operando aí a transfiguração étnica, que é esse mudar, sem perder a raiz. Ele mostra que quando o indígena passa de índio tribal para a condição de índio genérico, ou seja, integrado na cultura capitalista, a sua antiga consciência começa a ruir porque mudam todas as condições sociais e culturais. Ainda assim, os elementos fundamentais da cultura permanecem, embora numa outra condição. A ruptura do “ethos” tribal desagrega e desmobiliza, pois “as mitologias são corpos de representação cuja função consiste menos em explicar racionalmente o mundo do que motivar os homens para viver e amar a vida” (RIBEIRO, 1970, p.379). Assim que os mitos, na condição de desgarrados da aldeia, não morrem, eles são apenas redefinidos.

Esse ponto da discussão de Darcy Ribeiro se reveste de grande importância hoje justamente porque é isso que vimos assomar nos anos 80, quando o movimento indígena latino-americano começou a avançar outra vez, saindo do torpor a que estava submetido, e que levou o próprio Darcy a acreditar que os indígenas como cultura autóctone e originária iriam desaparecer. Ele concluiu no seu trabalho que os indígenas, mesmo os submergidos na cultura branca, jamais se aculturaram, mas sim que se transfiguraram. Ainda assim, como o capitalismo avançava e iniciava uma escala de modernização no Brasil, o antropólogo pensou que não haveria saída a não ser integrar-se totalmente a cultura dominante, a brasileira.

No seu livro seminal ele reconhece alguns elementos que são imprescindíveis para que uma etnia sobreviva, ainda que no mundo dos brancos:

1 - Ter componentes capazes de por em ação práticas adaptativas

2 - Capacidade de defesa

3 - Território

4 - Preservação de crenças e valores

Darcy não sabia, mas estava aí a chave para o reavivamento da resistência indígena. Enquanto seu trabalho começava a ser conhecido, nas entranhas das florestas os povos originários principiaram a recuperar sua força. A luta pelo território passou a ser a grande bandeira das comunidades indígenas e isso começou a mover etnias de toda a América Latina. Isso porque o território é, como Darcy percebeu, a base para toda e qualquer possibilidade de sobrevivência de uma etnia. Porque território não é apenas um pedaço de terra, ele carrega em si toda a cosmovisão e todo o modo de ser comunidade.

É a luta por território que vai explodir no México nos anos 80, depois no Equador nos anos 90 e assim em todos os cantos da grande Abya Yala, as comunidades assomando, ressurgindo das cinzas. No Brasil, com o fim da ditadura militar no começo dos anos 80 também se reorganizam os indígenas, lutando por direitos e demarcação das terras tradicionais. Ainda bastante misturados a instituições religiosas e Organizações Não-Governamentais, mas já conseguindo articular suas bandeiras de maneira unificada. O resultado foram os avanços garantidos na Constituição de 1988, que se não foram perfeitos, conseguiram abranger inúmeras demandas.

Com o avanço da democratização, com muitos territórios demarcados, as comunidades iniciaram um processo de “retomadas”, que é a volta organizada para o território original.

Novas organizações surgiram, muitas delas já descoladas da igreja e das ONGs. Eram os indígenas definindo eles mesmos suas bandeiras e suas formas de luta. Nesse processo, muitas das práticas culturais, língua e tradições ressurgiram com força, mostrando que nunca tinham sido esquecidas, apenas dormiam no coração e nas mentes que se preparavam para o retorno. E os povos originários, que conformavam pouco mais de 180 mil almas quando Darcy escreveu seu livro, hoje já se contabilizam em quase um milhão de pessoas. Ao contrário do previsto, eles não desapareceram. Re-nasceram, com mais força e com novas demandas.

Desde a última década do século XX não passou um dia no qual alguma comunidade, em algum canto de Abya Yala, não estivesse em luta. Quando os equatorianos ocuparam as igrejas em 1990, exigindo serem escutados, e quando os zapatistas gritaram, armados: Ya Basta!, em 1994, nunca mais o mundo pode seguir sem que suas palavras fossem ouvidas. Desde aí, o movimento cresceu e segue sendo a vanguarda da luta contra o capital. Não nos moldes tradicionais da esquerda, mas com a filosofia e a proposta de vida original e autóctone. Tampouco é possível pensar que os indígenas estejam enquadrados na condição de “genéricos”, iguais entre eles. Não. Cada etnia assoma na sua diferença. Unificada com as demais, mas concretamente retomando seu núcleo-ético mítico, nas suas especificidades. O que não impede que lutem juntos em demandas que significam a proteção dos bens mais caros aos seres humanos, como é atualmente (2017) o caso da luta pela água no território Sioux, no estado de Dakota dos Sul, Estados Unidos. Uma batalha que está sendo capaz de juntar praticamente todos os povos de Abya Yala num acampamento de protesto e de luta. Cada povo, cada etnia, sabendo muito bem que o que os unifica é maneira de viver no equilíbrio respeitoso com a natureza.

O movimento indígena está vivo e cresce.