Uma fala Guarani

A nação Guarani, formada por muitos povos, saúda toda a gente!


 

A morte dos wayùu na Colômbia

Cerrejón la Muerte Negra,  localizada na península de Guajira ao norte de Colômbia, é a maior mina de carvão à céu aberto do mundo. Á sua margem vivem as comunidades wayúu, desde há anos lutando contra a extinção que vêm através do pó do carvão produzido pelas multinacionais, e pela contaminação de ácidos e resíduos de dinamite que caem no rio Ranchería. Já houve muitas mortes, alterações genéticas, diarreias de sangue, doenças respiratórias e outros 800 novos casos de doenças .
Essas são as empresas proprietárias

BHP Billiton PLC (Austrália e Grã Bretanha) 33,3 %
Anglo American PLC (Grã Bretanha e África do Sul) 33,3%
Xstrata PLC (Suiça) 33.3%

Produção:

BLADIMIR SÁNCHEZ ESPITIA
Realizador / Periodista e investigador independiente.
Sobre la actuación de multinacionales en diversas regiones de Colombia.



Colômbia Invisível

Um documentário sobre a situação da Colômbia, que mostra  também como estão vivendo os povos indígenas.


Cem anos de contato


Uma crônica de amor

A noite caíra, e Helga seguia espiando pela janela. Esperava ver o homem que havia dias a espreitava desde o mato, poucos metros adiante. A mãe advertira para que denunciasse qualquer movimento suspeito. Mas como dizer suspeito àquele olhar de doce surpresa? Nunca vira ninguém assim, nem sentira esse sentimento oceânico, que lhe enchia o corpo e a alma. “São bugres, perigosos”, dizia o pai, que já mandara seus homens pelo mato para caçá-los. Mas, para Helga, aquele que lhe tomara o coração, era quase um deus.

Foi no princípio do inverno que eles se encontraram. Ela saíra com um cobertor e depositara no lugar onde ele sempre estava. Não imaginava que ele aparecesse. Enganou-se. Devagar, ele saiu do meio das árvores. Ela estacou, sem palavras. Ele sorriu, ela também. E ficaram olhando um para o outro, no encantamento. Ele pegou a coberta e se foi. Ela correu. Desde aí se viam todas as noites. Ela pulava a janela e seguia para o mato, onde ele a esperava. Conheciam um ao outro sob o luar, no toque suave de mãos. Ela amava sua cor de cuia, ele amava a tez branquinha. Ela não sabia o significado das palavras xokleng, ele tampouco entendia as dela. Mas, sorriam e tudo estava compreendido.

Até que um dia, ele não veio mais. Ela temeu. Sabia dos “bugreiros”, matadores de índios. Já vira, inclusive, o tal de Eduardo Hoerhann, chamado de “pacificador”. Ouvira que ele andava convencendo os índios a se integrar ao mundo branco. Parecia-lhe tarefa impossível, tendo eles uma existência tão livre e pura. O pai dizia que eram selvagens, mas a ela parecia que os selvagens eram os brancos. Ouvia e cismava, olhando pela janela, buscando na mata.

Soube, era outubro, que Hoerhann havia atraído uns 400 índios para um posto em Ibirama, mas que ainda havia alguns espalhados pela região de Blumenau. Os “bugreiros” seguiam atuando, caçando os “hostis”. Pensou no homem que amava e soube que ele jamais seguiria para o posto. Era certo que estava morto. Não sabia seu nome, não sabia nada além da doçura de seu olhar e do toque suave de suas mãos. Mas, era o suficiente para uma vida. Quando o pai lhe apresentou o futuro marido, nem piscou. Faria o que era devido. Casaria, teria filhos. Sempre fora assim. A diferença é que ela tivera aquelas noites de puro amor.

Passou todos os anos da vida espiando pela janela. A vila cresceu, as árvores sumiram, tudo desapareceu. Tinha noventa anos quando contou do momento mágico que vivera quando era ainda uma menina. A neta andava metida com gente do Cimi, circulando pelas aldeias do povo Xokleng. Viu na garotinha de cabelos esvoaçantes a mesma guria que fora um dia, na velha Blumenau de 1914. Numa tarde de abril falou do encontro com o homem que lhe roubara a alma. “Era um xokleng, vó”. Sim, era. E vivera dentro dela esse tempo todo. No silêncio.

Agora, nesse junho de 2014, quando a história registra 100 anos da “pacificação”, a neta de Helga escuta pela televisão sobre a luta do povo Xokleng. Eles estão na Barragem Norte, exigindo que o governo cumpra o acordo feito em 1992, quando precisaram também invadir a barragem construída sobre suas terras. Cem anos se passaram e nada mudou. Na mesa ao lado, alguém maldiz: “são os bugres, vagabundos”. Nora pensa na vó, na coragem que teve em viver seu amor, na força que precisou para aguentar a ausência. Olha de novo para os dois casais que sorriem ao lado. “Bugreiros, tal e qual os do passado”. Haverá de passar muito tempo até que realmente aconteça o contato, capaz da pureza e do amor, como o vivido por Helga e o jovem guerreiro Xokleng.

Funai reconhece dívida com povo Xokleng

Entrevista com João Maurício Farias , superintendente da Funai.

 

Povo Xokleng ainda luta por cumprimento de acordo feito nos anos 90



A história do povo Xokleng em Santa Catarina vem do princípios dos tempos, mas o processo de destruição da cultura e da vida desse povo antigo começou em 1771, quando os tropeiros paulistas fincaram as primeiras povoações na região de Lages, expulsando os indígenas. Mais tarde, a chegada dos imigrantes daria novo impulso ao extermínio. Os conflitos com os brancos eram inevitáveis, uma vez que estavam tomando suas terras. Chamados de "bugres", eles passaram a ser caçados como bichos e vendidos como escravos. Terminado o tempo da escravidão, mas já com sua população bastante diminuída, os Xokleng começaram a ser, então, "civilizados". A lógica governamental era a de integrar os indígenas, mas o caminho que escolheram para isso foi o do confinamento em reservas. O processo conhecido como "pacificação" só foi bom para os brancos.

Desde aí, o povo Xokleng vem resistindo como pode.  Como conta o professor José Cuzung Ndilli,  na tal da “pacificação” muitos morreram - por doença ou violência - sobrando míseras 120 almas que, a duras penas, geraram filhos e ainda mantêm as tradições originárias. Mas, a batalha por uma terra própria, capaz de garantir a sobrevivência das famílias é muito semelhante a da maioria dos povos indígenas do Brasil. Tem de ser travada todos os dias e contra todos os interesses. Passados séculos da invasão que lhes tirou o território, eles ainda precisam se levantar em rebelião cada vez que precisam defender um direito básico.

Nos anos 70, os Xokleng mais uma vez foram retirados de seus espaços de vida por conta da construção de uma grande barragem, a Barragem Norte, em José Boiteaux. Essa obra acabou alagando grande parte do território e, mais uma vez os indígenas foram deixados à própria sorte. Muitas das promessas feita à época da construção da barragem não foram cumpridas, o que obrigou os Xokleng a ocupar o canteiro de obras em 1991. Foi a primeira vez que o estado de Santa Catarina percebeu que esse povo de história larga ainda resistia e brigava por seus direitos. Como todos sabem, quando os índios estão quietos nas suas aldeias, fala-se deles no 19 de abril, mas, se decidem lutar por direitos, voltam, outra vez, a ser vistos como "selvagens", incapazes de compreender o progresso.

Ora, os Xokleng compreendem muito bem o que é o progresso. O têm sentido na pele desde o século 18. Mas, o fato é que desse pretenso "desenvolvimento" eles não fazem parte. Seguem aldeados, em condições precárias, tendo de mendigar o que deveria ser um direito garantido. Desde o alimento até as condições dignas de moradia, saúde, educação. Para os brancos que vivem suas vidas nas terras ocupadas, isso passa desapercebido. E é por isso que os Xokleng, volta e meia, empunham suas armas e marcham na direção da conquista do que lhes garante a vida.

Por uma coincidência irônica, nesse ano de 2014, completam-se 100 anos do início da saga da "pacificação" realizada por Eduardo Hoerhan, na época (1914) à frente do Serviço de Proteção ao Índio em Santa Catarina. Naqueles dias ele prometia uma vida de paz aos Xokleng. Uma vida que não veio.

Nessa semana, as chuvas torrenciais que caíram em Santa Catarina alagaram o território Laklãnõ, coisa que todo mundo sabia que iria acontecer com a construção do lago da barragem, que foi imposta nos anos 70. Uma enchente a mais, poderia alguém dizer. "Pequena e rápida", como afirmou o governador Raimundo Colombo. Mas, para quem vive esse drama desde anos, sem que nada seja feito, a história é outra. Os Xokleng não recebem obras de infraestrutura ou de contenção. Os Xokleng não dormem em camas quentes de palácios governamentais. Eles estão entregues à própria sorte. É por isso que lutam.

Com as terras alagadas e isoladas, eles partiram na noite de quarta-feira para a Barragem Norte e trancaram a passagem. Se aquela obra foi o símbolo de mais um onda de destruição da sua gente, eles já sabem que é lá que as batalhas precisam ser travadas. Única forma de os governantes olhares e enxergarem as demandas indígenas.   Então, quando eles se mexem, mexem-se também as forças de repressão. Em primeiro lugar, proteger os "bens". Depois, as gentes. E se essas gentes forem índios, bem, aí pode esperar mais um pouco.

Assim, os Xokleng enfrentaram mais uma batalha.  Só na quinta-feira o governo resolveu agendar uma reunião. Cíntia Núbia Moraes, cacique interina, insiste que já é hora de se cumprir o protocolo de intenções assinado em 1992, quando os Xokleng precisaram ocupar a barragem para serem escutados. O não cumprimento total do acordo até os dias de hoje mostra o quanto esse país se importa com a vida indígena. Ela lembra que no dia 28 de outubro do ano passado foi protocolado um documento no Ministério da Integração pedindo respostas, e o governo havia prometido uma em 20 dias. Já se passou quase um ano e nada. "A gente vê que sem o movimento, sem esse barulho que é feito, a gente não consegue as coisas. A gente vive como cozinhando um alimento duro: só na pressão. Nós temos nossos direitos e exigimos que nos respeitem", diz Cíntia.

E ela tem razão. Bastou os Xokleng marcharem para a Barragem Norte e as autoridades já se movimentaram.  Ítalo Goral, da Secretaria de Desenvolvimento Regional, que recebeu os indígenas na quinta-feira disse que reconhece a justeza das reivindicações. Ele reconhece que as casas foram alagadas por conta do nível da barragem, que ficou muito alto com as chuvas. Jonas Pudwel, prefeito de José Boiteaux também esteve na reunião e prometeu auxiliar com as estradas, embora reconheça que a prefeitura não tem sequer os equipamentos adequados para agir em casos como esses. "Quando a barragem baixa, o prejuízo fica aqui. Os governos estadual e  federal têm de cumprir suas promessas. Além disso, a obra da barragem foi mal feita. E agora, quem vai pagar por isso? Quem vai garantir que a obra seja refeita para que isso não mais aconteça?", apontou.

Hoje nova bateria de reuniões será realizada, com promessas e que tais. Muitas casas na aldeia ainda estão submersas. Há famílias ilhadas. As estradas seguem sendo um terror. As medidas paliativas serão tomadas. Como sempre. Mas, há coisas a tratar para além do emergencial. A Barragem Norte mostrou suas falhas, tal qual foi denunciado durante sua construção, denúncia que ficou no vazio porque era feita por índios ou "eco-chatos". Quem vai arcar com isso? Serão necessárias novas chuvas e novas tragédias? Será preciso que alguém morra? E o protocolo firmado em 1992 será ou não respeitado? Até quando o governo federal vai adiar o seu compromisso com os Xokleng?

Na pequena José Boiteaux, onde estão as aldeias, a vida seguirá. Os indígenas, na sabedoria milenar do silêncio, se recolherão para lamber as feridas. Mas, não se enganem. Enquanto viva, essa gente guerreira vai lutar por seus direitos.